Saúde do DF deixa pacientes e famílias entre a humilhação e a revolta

O Correio percorreu UPAs e hospitais e ouviu relatos de pacientes que sofrem com o caos nas unidades de atendimento do Distrito Federal. Peregrinação chega a durar seis dias, como foi o caso de Jéssica Sousa“

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Foto: Carlos Vieira

Eu não posso voltar para casa com a minha filha desse jeito. Ela chora a noite toda, desde domingo, por conta de uma dor forte na barriga”, relatou Mayara Santos da Silva, 26 anos, enquanto aguardava no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), na tarde de ontem, sem saber quando seria atendida. Esse é o cenário caótico que a rede pública de saúde do Distrito Federal está enfrentando.

Há quatro dias, a mãe de Rayssa Santos, 4, tenta um diagnóstico médico sobre o quadro de saúde da criança, mas tem voltado para casa frustrada. “Já a levei na UPA do Jardim Ingá (no Entorno), e o médico passou remédios para tirar a dor, mas ela não melhorou; por isso, trouxe ela no Hmib. Na triagem, nem chegaram a encostar nela e disseram que ela não está sentindo nada”, reclamou. O Correio percorreu hospitais e unidades de pronto-atendimento (UPA), e os relatos dos pacientes que aguardavam por um médico são parecidos com os de Mayara.

Dor e indignação
No Hospital Regional de Taguatinga (HRT), Aline Garcia, 33, está com o avô Joaquim Lima, 83, internado desde terça-feira. Após sofrer um acidente doméstico, o idoso fraturou o fêmur e teve que ser levado com urgência à unidade. “Mas desde que ele chegou aqui, está do mesmo jeito. Não tiraram ele do lugar, não fizeram assepsia; o curativo, que deveria estar no cotovelo, foi parar no pulso”, detalhou a neta. Ela conta que até os materiais de higiene e alguns equipamentos, que deveriam ser disponibilizados pelo HRT, tiveram que ser comprados pela família.

Além disso, Aline denunciou que os funcionários não estão, ao menos, asseando seu avô. “Quando falamos com o pessoal do setor, disseram que era o acompanhante quem deveria limpar o paciente. Mas como eu vou fazer isso? Não tenho condição e nem técnica para levantá-lo, ainda mais com o fêmur quebrado”, comentou.

Outro questionamento feito por Aline foi em relação ao acompanhamento médico ou a falta dele. “Falaram que, pela manhã, passou uma médica, que não teria localizado meu avô, após uma ‘busca ativa’. Qual foi essa busca? Ele não mudou de local desde que chegou. É um absurdo a desculpa que eles usam, como se todo mundo fosse leigo”, frisou a familiar que, indignada com a situação, decidiu recorrer ao Ministério Público (MPDFT), nesta quinta-feira (23/6), em busca de amparo.

Acompanhando Aline, estava uma amiga da família Lidiane Maria, 47. Ela conta que é desesperador e
revoltante ver o problema — sem solução — de perto. “A gente sabe que dinheiro tem (o GDF), não precisava ser assim. É humilhante. Você se sente mal ao ver uma pessoa assim e não pode fazer nada”, revoltou-se Lidiane.

Dificuldade
A reportagem também foi à UPA do Setor O, e a história se repetiu. Com dengue hemorrágica, Jéssica Sousa, 23, estava à procura de um clínico médico na unidade, porém não teve sucesso. Acompanhada do namorado, João Victor Daher, 25, a moça relatou que desde a última sexta-feira vive uma peregrinação que parece não ter fim.

Com espaços lotados, profissionais ausentes e falta de insumos para atender quem chega ao local, a unidade ofereceu a Jéssica somente um soro e o exame para medir a quantidade de plaquetas. “Hoje fala-se tanto que existe investimento na saúde pública, mas não vemos isso. A gente chega no hospital e não consegue atendimento, internação, não consegue nada. Se a pessoa não tiver dinheiro para pagar um hospital particular, ela morre”, desabafou.

Questionada sobre o cenário encontrado nas unidades, a Secretaria de Saúde (SES-DF) respondeu, por meio de nota, que atualmente possui 32.556 servidores em seu quadro, e que desse total, 5.173 são médicos. “A atual gestão prioriza a contratação de profissionais para diminuir o deficit da rede pública. Desde 2019, foram nomeados 3.101 concursados, além da contratação temporária de 7.756 trabalhadores”, acrescentou a pasta.

A nota também ressaltou que existem dificuldades em relação à contratação de novos médicos. “Nem todas as pessoas assumem os cargos para os quais foram nomeadas, e, por este motivo, em março deste ano, a secretaria publicou novo edital com oferta de 230 vagas para médicos em diversas especialidades”, completou. Além disso, o Correio questionou o órgão sobre o problema enfrentado pelo paciente do HRT, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno.

Três perguntas para…
Maria Fátima de Sousa, professora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB
Qual é a real situação da saúde pública do DF?

Um caos que se agravou com a pandemia. Falta decisão política e coragem de assumir qual modelo de atenção e gestão o DF vai implantar, para podermos afirmar que temos um SUS que cuida das pessoas, conforme prevê a CF/88 em seu artigo 196.

Por que médicos não aceitam os cargos nos hospitais públicos da capital?

Porque o governo não assegura condições e segurança no trabalho. Essa questão diz respeito a pergunta anterior. Se não tem claro como será a organização do SUS em todas as 33 cidades, como gerir os serviços de saúde?

O que pode ser feito para mudar esse cenário caótico?

Assumir o SUS como uma política pública, não privatizá-la; Organizar o sistema em Rede integrada, provendo-a de equipamentos e insumos estratégicos; respeitar e valorizar os trabalhadores; fortalecer o controle social; e escolher gestores que tenham, verdadeiramente, compromisso em implantar o SUS.

Gestão do Iges-DF também é problema
ANA MARIA CAMPOS

A nova diretora-presidente do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF), Mariela Souza de Jesus, vai acatar uma decisão do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e recalcular os valores pagos a título de aluguel à empresa Cepe — Comércio Importação e Exportação de Alimentos para locação de um galpão no Setor de Indústrias (SIA). Segundo a assessoria de imprensa do Iges-DF, a empresa proprietária do imóvel já foi notificada da decisão.

O negócio de locação é o foco da Operação Pomona, deflagrada em 31 de maio pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Também é alvo de duas representações do Ministério Público de Contas do DF (MPCDF). O órgão alertou o TCDF a respeito de um suposto superfaturamento dos aluguéis pagos pelo uso do imóvel onde foi instalada a Diretoria de Logística e Serviço do Iges-DF.

Segundo investigação do Gaeco, a Cepe é ligada ao empresário Marcelo Perboni, que atua no comércio atacadista de hortifrutigranjeiros. Eles foram alvo de buscas e apreensões autorizadas pela 7ª Vara Criminal.

Uma auditoria do TCDF apontou que “o processo de locação não atendeu aos requisitos legais”. O corpo técnico do tribunal considerou que a especificação do imóvel tem características superiores à necessidade do Iges-DF. Além disso, o preço de locação é incompatível com os de mercado.

Na representação do Ministério Público de Contas e no pedido de busca e apreensão da Operação Pomona, há ainda um detalhe considerado fundamental: o imóvel foi adquirido pela Cepe com benefícios do Pró-DF, desconto de 50%, para ser utilizado no programa de desenvolvimento econômico e geração de empregos no ramo atacadista. Por isso, há desvio de finalidade na locação do imóvel para o próprio governo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CB

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