Quatro horas. Esse é o tempo que um coração resiste à falta de circulação e oxigenação sanguínea após ser removido do corpo de um doador. Diante do curto prazo, é preciso contar com uma complexa e eficiente rede de logística capaz de assegurar que o órgão transportado chegue dentro do limite de tempo ao receptor inscrito para recebê-lo. No Distrito Federal, cabe à Central Estadual de Transplantes (CET) a missão de coordenar toda essa operação.
O trabalho da central começa logo após a constatação da morte encefálica do potencial doador. “Havendo a sinalização de eventual doação e com receptor compatível, iniciamos a operação de logística para retirada e transporte desse órgão. É preciso que consideremos o tempo de isquemia de cada um deles, para que esse transplante permaneça viável”, detalha a diretora da CET, Gabriella Ribeiro Christmann.
Órgãos com maiores tempos de isquemia, ou seja, maior duração sem aporte sanguíneo, costumam ser transportados por meios convencionais, como ambulâncias ou viaturas fornecidas pela própria CET. “Em ambos os casos, toda a logística é acompanhada por uma equipe médica qualificada e credenciada”, enfatiza a diretora.
Em casos com maior urgência — envolvendo órgãos com menor tempo isquêmico ou doadores de fora do DF –, o transporte demanda a utilização de meios alternativos, como aeronaves. “Se o órgão não é de um doador local, o transporte interestadual é realizado por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Quando esse avião pousa na base, a gente faz a captação utilizando um helicóptero nosso e o levamos até o centro onde será realizado o transplante”, explica Sérgio Dolghi, chefe da Unidade de Operações Aéreas (Uopa) do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF), que integra a rede de cooperação técnica de transporte de órgãos.
A parceria da aeronave do Detran com a Secretaria de Saúde do DF (SES) e outras corporações, como Polícia Militar (PMDF), Corpo de Bombeiros Militar (CBMDF) e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), existe desde 2015 e já viabilizou a entrega de 65 órgãos, sendo 54 corações, quatro fígados, um rim e seis córneas.
Atualmente, a Uopa conta com dois comandantes, quatro copilotos e seis tripulantes de prontidão para executar o serviço de transporte de órgão, uma vez que o acionamento ocorre. “É uma equipe que trabalha 24 horas de sobreaviso. Fazemos todo o planejamento para quando a aeronave da FAB tocar o solo, já estejamos ao lado para efetuar o transporte”, prossegue Dolghi.
A mais recente atuação da Uopa ocorreu na madrugada do último dia 24. A aeronave do Detran viabilizou o transporte do décimo coração do ano. O órgão veio de Goiânia e foi levado à Base Aérea de Brasília. O receptor foi um homem de 38 anos. O procedimento de transplante foi realizado no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal (ICTDF).
O médico Marcelo Botelho, coordenador clínico de transplante cardíaco do ICTDF, compara com uma “operação de guerra” a logística de transporte dos órgãos. “A logística de transporte para fazer essa captação à distância é fundamental. Por isso, a gente precisa tanto dos órgãos públicos nos ajudando nesse processo de viabilização do transplante”, enfatiza.
Segunda chance
Foi a eficiência da logística de distribuição de órgãos do DF que viabilizou o transplante cardíaco de Alexandre Ventura Domingues, de 46 anos. Em 2013, o servidor público sofreu um infarto e chegou ao ICTDF com 50% da função do coração já comprometida. “Minha insuficiência foi evoluindo, e, em 2017, chegou ao ponto de eu precisar ser incluído na lista de espera de transplante”, relata.
Na ocasião, Alexandre chegou a ser submetido a uma tentativa de transplante, sem sucesso. “Não deu certo. Quando acordei, os médicos me disseram que minha única chance de vida seria utilizar um coração artificial. A perspectiva era ficar só um ano com o aparelho, que serviria de uma ponte para o transplante, mas logo em seguida veio a pandemia e precisei ficar com ele por mais três anos”, prossegue.
O coração artificial não conseguiu manter a qualidade de vida do paciente, e, em abril, ele precisou retornar à lista por transplante. A espera, contudo, durou pouco. “Em menos de um mês eu fui chamado. O doador era aqui do DF, e a proximidade garantiu uma agilidade ainda maior. O transplante mudou tudo: me deu uma nova esperança, eu ganhei uma chance de uma segunda vida. Eu carreguei durante quatro anos um aparelho que me limitava. É um renascimento. Hoje, consigo respirar, encher meu pulmão de ar, uma coisa que todo mundo faz, acha normal e não dá tanta importância”.
Agência Brasília