Após o fim das chamadas emendas de relator, usadas como moeda de troca no governo Jair Bolsonaro (PL), o Congresso negociou com o PT, alterou o Orçamento e terá um valor recorde em emendas neste ano. São R$ 46,3 bilhões para os parlamentares.
Os números vultosos para atender a projetos de parlamentares não garantiram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a formação de uma base de apoio sólida no Congresso. Sinalizam um estreitamento na margem de negociação do Executivo, com deputados e senadores menos dependentes do Palácio do Planalto para executar obras em seus redutos eleitorais.
Os recursos para 2023 superam o montante de 2020, ano de ampliação dos gastos públicos por causa da pandemia. Os valores inéditos foram obtidos neste ano apesar de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter banido o uso das emendas de relator no fim de 2022, alegando inconstitucionalidade nesse tipo de despesa.
Havia R$ 19,4 bilhões em emendas desse tipo para serem distribuídas pela cúpula do Congresso em negociações políticas em 2023. Surpreendidos pela decisão da corte, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e líderes do centrão passaram a costurar um acordo com Lula.
Na prática, o resultado é que o Congresso manteve o controle sobre todo o dinheiro que iria para as emendas extintas pelo Supremo.
Uma parte da verba foi usada para inflar as emendas individuais —a que todo deputado e senador tem direito. A outra fatia passou para as mãos dos ministérios de Lula.
O PT apresentou esse acordo como uma divisão igualitária. No entanto, articuladores políticos do governo admitem, nos bastidores, que os R$ 9,8 bilhões que foram herdados pelos ministérios após a decisão do STF serão usados para atender pedidos de parlamentares —ou seja, como se fossem emendas também.
O governo não é obrigado a executar esses R$ 9,8 bilhões de acordo com os pleitos de membros da Câmara e do Senado.
Mas, para tentar ampliar o apoio de Lula no Congresso, o Palácio do Planalto inclusive já prevê usar parte do dinheiro para cumprir promessas de emendas feitas por Lira na campanha à reeleição da Câmara e acordo políticos feitos no ano passado, antes da decisão do STF.
Além de manter poder sobre os recursos que eram para emendas de relator, o Congresso ainda turbinou outro mecanismo: as emendas de comissão.
Esse tipo de recurso saltou de aproximadamente R$ 400 milhões no ano passado para cerca de R$ 7,6 bilhões no primeiro ano do novo governo Lula.
Isso significa que a cúpula da Câmara e do Senado assegurou mais uma fatia do Orçamento para os interesses parlamentares. Foi uma reação à decisão do Supremo, dizem integrantes influentes do Legislativo.
O dinheiro será dividido de acordo com alianças políticas, e a operação será comandada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que é relator do Orçamento e assumiu a presidência de uma comissão que detém quase todo o bolo dessas emendas.
Na última segunda-feira (6), Lira expôs a fragilidade das alianças políticas do petista em conversa com empresários. Afirmou que Lula foi eleito democraticamente, mas com uma margem mínima.
Ele disse ainda que o governo não tem votos para aprovar leis por maioria simples, muito menos para avançar em propostas constitucionais, como é o caso da reforma tributária —uma das prioridades do Palácio do Planalto para 2023.
Para tentar ampliar a base no Congresso, o Palácio do Planalto tem oferecido também cargos de segundo e terceiro escalão, principalmente, a deputados.
Apesar de Lula ter dado ministérios a partidos de centro, como MDB, PSD e União Brasil, parlamentares dessas siglas ainda não firmaram uma aliança sólida com o governo.
Essa operação tem sido comandada pelo ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais).
Integrantes do Palácio do Planalto reconhecem que a reconstrução da base é mais difícil diante de um Congresso eleito mais à direita e com líderes que foram alinhados a Bolsonaro.
Há reclamações no Congresso sobre a demora na liberação de indicações políticas para cargos no governo.
Mas, segundo auxiliares de Lula, a estratégia é atender aos pedidos de acordo com a necessidade de aprovar propostas de interesse do Planalto no Congresso.
No caso das emendas, quase metade da verba reservada para parlamentares é de emendas individuais. Elas somam R$ 21,2 bilhões neste ano e são divididas igualmente entre todos os deputados (R$ 32 milhões para cada um) e entre senadores (R$ 59 milhões).
Esses valores representam um forte aumento em relação ao padrão das emendas individuais de anos anteriores. Em 2021 e 2022, por exemplo, eram de aproximadamente R$ 18 milhões por parlamentar, com valores iguais para deputados e senadores.
Isso foi resultado da negociação com Lula no fim do ano passado em relação à divisão da verba das extintas emendas de relator. Como os senadores tinham uma cota maior no mecanismo amplamente usado no governo Bolsonaro, eles passaram a ter direito a um valor maior.
As individuais, que agora foram infladas, são de execução obrigatória. Isso significa que o governo precisa realizar os projetos e obras indicados pelo congressista, mesmo que ele seja da oposição.
O Palácio do Planalto tem pouca margem de manobra com essa verba. Consegue, por exemplo, priorizar as emendas de aliados e deixar as de opositores para dezembro, ou seja, o pagamento fica para o ano seguinte.
Além disso, o plano de articuladores políticos é apresentar projetos de cada ministério para tentar convencer deputados e senadores que usem as emendas (individual, de bancada estadual, de comissão ou dos R$ 9,8 bilhões reservados a eles) em políticas públicas do governo Lula.
Dessa forma, manteria o crédito ao parlamentar, que continuaria como padrinho da iniciativa no próprio reduto eleitoral.
Jornal de Brasília