Detentos de presídio do DF vendem drogas e cachaça no fundo das alas

O Centro de Progressão Penitenciária é destinado aos presos do regime semiaberto. Relatos de detentos ao Correio revelam a venda de drogas dentro da instituição. MP destaca o pouco efetivo de policiais penais nas unidades prisionais

Foto: SEAP/DF

Atrás das paredes de uma grande estrutura prisional, um cenário de crime. Detentos ficam cara a cara com quadrilhas voltadas ao tráfico de drogas e sentem na pele o que é ser coagido por criminosos do “alto escalão”. Caminho para a ressocialização, o Centro de Progressão Penitenciária (CPP), no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), virou um barril de pólvora. É de noite que custodiados promovem a venda de drogas aos fundos da ala, mesmo com forte atuação de policiais penais no combate aos ilícitos. No ano passado, os agentes coibiram a entrada e a circulação de 317 aparelhos eletrônicos (celulares, carregadores e baterias) e mais de 3kg de entorpecentes.

Sob condição de anonimato, dois presidiários do semiaberto revelaram ao Correio o que ocorre no interior do CPP. Fernando* (nome fictício) foi transferido do Centro de Internamento e Reeducação (CIR), no Complexo Penitenciário da Papuda, para o CPP, este ano, mas ficou na nova unidade prisional por três dias. Depois, alegou ameaças por parte de outros detentos e retornou à Papuda. O segundo, Breno* (nome fictício) está no centro de progressão há um ano e deve ficar mais três até cumprir a pena. Ele sai às 7h para trabalhar de segunda-feira a sábado em uma feira do DF e retorna às 19h40.

O CPP é a unidade final da transição do regime penitenciário à reinserção social e, por isso, até mesmo a estrutura precisa ser diferenciada de um presídio. As celas dão lugar aos blocos e as camas são beliches. O espaço assemelha-se a um enorme ginásio e o portão é um abre e fecha constante para receber aqueles beneficiados com o trabalho externo. Com capacidade para 1.018 custodiados, a unidade acomoda atualmente 1.629 homens, que ficam em três blocos diferentes, informou a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF). Só vai para este estabelecimento aquele que está cumprindo o regime semiaberto e que tenha efetivamente o direito aos benefícios legais de trabalho externo e de saídas temporárias.

Assim que retornam do trabalho externo ou das saídas, os presos são submetidos a scanner corporal para verificar se há algum ilícito escondido na roupa ou no corpo. A medida, no entanto, não é suficiente para barrar a entrada de drogas, bebidas, remédios e celulares. Os presos driblam a segurança e, por vezes, ingressam com os itens despercebidos. Fernando contou ao Correio que algumas drogas são enroladas na barra da calça de uma maneira que fique imperceptível.

Dentro do CPP, há uma “feira de drogas”. “Eles enrolam um cordão no pescoço e colocam de tudo. Pegam camisinhas e enchem de cachaça e vendem na unidade. Tem pinos de cocaína, crack, maconha. Todo o tipo de droga que você imaginar, vai ter”, conta um dos detentos. Breno* relata que, no fundo da ala, é montada uma espécie de mesa, em que as drogas e bebidas são expostas para a comercialização. O pagamento pode ser via PIX ou dinheiro. “Eles passam gritando, como ambulantes mesmo. Não dá para o pessoal (agentes) ver ou ouvir, porque é bem no fundo. Então eles ficam anunciando e dizendo que o pagamento pode ser pelo PIX”, afirma.

Muros
A entrada de drogas na unidade também tem ajuda de pessoas da área externa, sejam amigos, familiares ou comparsas de presos. Nos três dias em que Fernando ficou no CPP, viu um dos detentos pular o muro para buscar uma mochila deixada na parte de trás do centro. “De madrugada, eles viram ratos e zumbis”, descreve. Não é de hoje que pessoas foram detidas em flagrante ao serem vistas tentando arremessar drogas para dentro do local ou por deixar os objetos nos arredores.

O trabalho para pegar a tal mochila, geralmente, é desempenhado por um preso classificado, ou seja, que trabalha no CPP e conhece os pontos vulneráveis da área. Mesmo com as câmeras de monitoramento e a presença dos policiais penais, os internos se arriscam a pular o telhado da Divisão de Transportes da PCDF (Ditran), que fica ao lado, para buscar itens jogados por pessoas de fora.

A Seape-DF garante que os policiais penais fazem as fiscalizações extramuros e intramuros, bem como as rondas no perímetro da unidade coibindo o lançamento de objetos no interior da unidade e as revistas rotineiras nos galpões. Em todo o ano de 2023, foram apreendidos 3,5kg de entorpecentes, 36 litros de bebidas alcoólicas e 317 eletrônicos.

A venda nas alas do CPP ultrapassa o rol de drogas e bebidas. Os celulares circulam nas mãos dos presos e, quem quiser ligar para alguém de fora, é cobrado R$ 30 a hora. Os recém-transferidos costumam arcar com o aluguel da cama ou dormem encostados na beliche. O valor é de R$ 100 por mês. “Eles carregam os celulares na fiação lá em cima. É quase 20 metros de altura, e os caras ainda conseguem subir. Eu fico sem acreditar. A gente não consegue dormir lá. É barulho, é gente que chega toda hora. É um inferno”, diz Breno.

Há ainda os presos que são coagidos pelos detentos mais antigos a entrar com drogas no estômago. Na maioria dos casos, os recém-chegados são o “João bobo” da vez. No mês passado, um interno morreu depois de ficar internado no hospital. Ele estava com entorpecentes na barriga, mas não conseguiu vomitar e passou mal.

Ministério Público
Mais de 25% dos custodiados do CPP têm de 35 a 40 anos, de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), coletados entre de janeiro a junho do ano passado. Em relação às decisões judiciais, foram deferidos 670 alvarás de soltura só para presos do CPP nesse mesmo período, 393 foram transferidos para outras unidades e 270 foram concedidas a permissão de saída.

O CPP é fiscalizado pelas Promotorias de Execução Penal e pelo Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri), seguindo os critérios definidos pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ao Correio, o Ministério Público (MPDFT) afirmou que, durante as inspeções, se verificados indícios de irregularidades ou recebidas denúncias pelos internos, é instaurado procedimento apuratório próprio e tomadas as devidas providências (judiciais e extrajudiciais) pelos membros do MP.

Finalizada a visita, o Nupri poderá tomar as devidas providências, tais como comunicar às autoridades administrativas responsáveis a identificação de indícios de irregularidades praticadas pelo preso ou instaurar procedimento administrativo.

Questionado sobre como o MP avalia a entrada e venda de drogas na unidade, o Ministério Público destacou o scanner corporal, mas afirmou que, apesar dos procedimentos de segurança, “infelizmente há casos de internos que engolem substâncias entorpecentes visando ao ingresso de forma clandestina, colocando em risco a própria saúde.” Casos esses que, quando constatados, geram procedimento apuratório disciplinar.

“O Ministério Público apura eventual ação ou omissão dos servidores públicos que atuam no sistema prisional e acompanha os procedimentos de revista em inspeções, incumbindo a fiscalização dos protocolos, inclusive a existência e funcionamento de aparelhos de raios-x e body scanner”, frisou o MP. Ainda em nota enviada ao Correio, o MP afirmou que os policiais penais fazem monitoramento e revistas constantes nas celas, “mas, por se tratar de uma unidade em que há a saída e a entrada diária de internos, revela-se uma dificuldade maior de impedir totalmente a entrada de objetos ilícitos”.

O MP diz haver um deficit de policiais penais nas unidades prisionais, que foi recentemente atenuado em razão da nomeação de novos policiais aprovados em concurso público e passaram a integrar a carreira. No final do ano passado, o GDF convocou 300 aprovados. O concurso, de 2022, ofertou 400 vagas imediatas e 779 para formação de cadastro reserva. Para o Nupri, ainda é necessária a nomeação dos demais aprovados para possibilitar uma atuação mais eficaz nesse sentido.

Correio Braziliense

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