“Não é fácil estar aqui diante das vítimas. Não vou justificar o que fiz. Assassinamos pessoas inocentes, assassinei familiares dos que estão aqui, levando-os com mentiras, colocando armas para dizer que era um combate, que eram guerrilheiros, destruindo suas famílias, deixando filhos sem pai e outros pais sem filhos”, disse o ex-militar colombiano Néstor Gutiérrez em uma das audiências da Jurisdição Especial para a Paz (JEP) que ocorreram nos dias 26 e 27 de abril, na cidade Ocaña, noroeste do país.
Gutierrez e mais nove ex-militares deram depoimentos estarrecedores, desvelando as engrenagens do escândalo dos “falsos positivos”, operação do Exército da Colômbia durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010) que assassinou civis e os contabilizou como guerrilheiros mortos em combate. Quanto mais mortes, melhor avaliação de desempenho e mais premiações para os servidores fardados. Uma política de governo para matar inocentes.
É a primeira vez que ex-membros das Forças Armadas admitem de maneira explícita os crimes de guerra e contra a humanidade. Segundo a JEP, mais de 6 mil pessoas perderam a vida nessa situação.
Os militares contaram detalhes dos assassinatos forjados, da colaboração com agrupações paramilitares e da falsificação de documentos para enganar o setor de inteligência do país. Os depoimentos integram uma ação judicial sobre a morte de 120 pessoas na região de Catacumbo, onde o conflito e crimes contra dos direitos humanos se arrastam há décadas.
As declarações não são fruto de um arrependimento verde oliva. Na JEP as pessoas que admitirem seus crimes não são condenadas à detenção, senão à penas mais brandas, como trabalho voluntário ou prisão domiciliar. No processo, entretanto, é obrigatório encarar os familiares de suas vítimas, como sucedeu na semana passada. A JEP foi criada em 2016, como parte do acordo de paz celebrado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos com as FARC.
Os depoimentos, porém, não satisfazem parte da opinião pública. Entre os dez oficiais que prestaram depoimento em Ocaña, somente um era de alta patente. A pergunta sem resposta é: quem deu a ordem? Ou melhor: quem permitiu essa política de extermínio? O ex-presidente Álvaro Uribe e os militares que trabalharam com ele à época, negam qualquer participação no escândalo.
Metrópoles