Desde que foi iniciado o tratamento e a rotina hospitalar das gêmeas siamesas Valentina e Heloá, de 2 anos, a família que vivia em Guararema (SP) precisou lidar com as adversidades da mudança de estado e, também, da limitação imposta pela necessidade de cuidados e atenção em tempo integral.
Os pais Fernando de Oliveira dos Santos, 27 anos, e Waldirene do Prado, 34, se revezam na presença constante ao lado delas e estão, praticamente, impossibilitados de trabalhar. Eles se mudaram para Goiás com as filhas, há pouco mais de um ano, para ficarem perto do hospital que oferece pelo SUS o tratamento e a cirurgia de separação de siameses.
“Mudou tudo [na nossa vida], com certeza. Deixamos familiares, trabalho, mas com o tempo a gente vai equilibrando e aprendendo a lidar. É uma lição de vida. Como mãe, existe um medo, claro, não é fácil, mas Deus nos dá força”, pondera a mãe, Waldirene.
Ajuda
Sem uma fonte de renda fixa, o homem, que trabalhava numa metalúrgica em São Paulo, e a mulher, que atua como dona de casa, contam com doações, vendas de rifas e outras formas de ajuda para irem se mantendo. Eles ainda têm uma terceira filha mais velha, de 6 anos.
“É tudo por doações mesmo. A gente vai se organizando devagarzinho. Eu não posso trabalhar, porque tenho que ficar no hospital junto da minha esposa. Um só não dá conta de cuidar das duas, porque tem que ficar do lado o tempo todo. Enquanto um dorme, o outro fica acordado; enquanto um almoça, o outro fica de olho e espera”, relatou Fernando.
A família encontrou ajuda e assistência para viver em Morrinhos (GO), cidade que fica a 131 km de Goiânia. A prefeitura local ajudou na manutenção dos pais e das crianças. Eles precisam se deslocar com frequência para a capital, onde as gêmeas são atendidas e acompanhadas pelo médico Zacharias Calil, que também é deputado federal.
Na quarta-feira (9/3), elas passaram por uma cirurgia no Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad) para instalação de um expansor de pele. O procedimento faz parte do preparatório para a cirurgia de separação, que ainda não tem uma data prevista. Vai depender da resposta delas ao tratamento.
“Caso extremamente complexo”
O médico responsável, Zacharias Calil, é reconhecido internacionalmente pelo trabalho feito na separação de crianças siamesas. Ao Metrópoles, ele contou que o caso de Valentina e Heloá é um dos mais complexos que ele já teve de lidar até hoje. Segundo o cirurgião, só fica atrás do caso de siameses que nascem unidos pela cabeça.
As duas meninas compartilham vários órgãos. Além de elas serem unidas pela estrutura óssea na altura da bacia, o fígado é um só, elas dividem parte do intestino delgado, do intestino grosso e a genitália é uma só, também.
“A alimentação é bem difícil, porque elas dividem o intestino. Isso dificultou o processo de ganho de peso”, conta Calil.
O expansor de pele é instalado para acelerar a criação de pele e propiciar as condições necessárias para a separação. Na última quarta-feira (9/3), foi colocado um na parte frontal, no abdômen das duas crianças. O próximo passo, agora, é aguardar de 30 a 40 dias para avaliar o resultado e se será necessário a implantação de mais um na parte de trás do corpo.
“Vamos avaliar e mantê-las com visitas semanais aqui em Goiânia para irmos acompanhando. A cirurgia de separação é muito delicada. Ela vai de 14h a 18h de duração, geralmente”, explica o médico, que acompanha a evolução de Heloá e Valentina desde os 6 meses de vida.
Decisão da mudança
No início do tratamento, os pais se deslocavam com as filhas do interior de São Paulo para Goiânia numa frequência que começou em escala mensal e foi diminuindo para questão de semanas, com o passar do tempo. Acabou que não lhes restou opção a não ser a mudança para Goiás.
Isso ajudou, inclusive, em fatores técnicos e burocráticos, pois facilitou a regulação das gêmeas como pacientes locais, dentro do sistema de saúde.
Atenção para que elas não se machuquem
Um dos principais cuidados que os pais têm, ao ficarem de olho nas gêmeas, é para que elas não se machuquem. Com o passar do tempo e à medida que elas vão crescendo e criando autonomia, o incômodo gerado pela união e compartilhamento de órgãos fica mais evidente.
Em determinados momentos, elas chegam a se debater, morder e acabam se machucando. “A situação é um pouco complicada. Elas brigam muito, porque criança tem um desenvolvimento psicomotor natural. Tem a fase de engatinhar, de ficar de pé, e elas não passaram por isso”, explica Zacharias Calil. Segundo ele, é difícil para elas aceitarem a condição a que estão submetidas.
O pai acredita e tem fé na possibilidade de sucesso da cirurgia de separação. “Já vimos que é possível. Tudo hoje tem fator complicador, mas está tudo nas mãos de Deus. É deixar Deus agir”, diz ele.
A mãe conta que foi um susto muito grande quando soube que as filhas seriam siamesas. “A gente quer o filho bem, correndo e brincando por aí, mas estamos no aguardo do melhor momento para a cirurgia. Elas estão bem, saudáveis. São duas crianças normais, que brincam e têm rotina. Para nós, são duas crianças normais”, reforça ela.
Boletim
O último boletim médico divulgado pelo hospital, na sexta-feira (11/3), informou que Heloá e Valentina reagiram bem à cirurgia para instalação do expansor de pele e o estado de saúde é considerado regular.
Elas foram colocadas em um leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para monitoramento, mas não apresentaram febre e respiram espontaneamente, sem ajuda de aparelhos. Além disso, as irmãs se alimentam bem e aguardam a alta hospitalar, ainda sem previsão.
Em caso de alguém se interessar em ajudar a família das siamesas, as doações podem ser feitas via Pix em nome da mãe delas, Waldirene Prado, pelo número 37619382844 (CPF).
Portal Forte News