Rotina de insegurança na área central de Brasília fomenta crimes à luz do dia

Tráfico de drogas, furtos e roubos são crimes frequentes no centro da cidade. A polícia registrou 246 ocorrências só no primeiro bimestre deste ano. A presença intensa de pessoas em situação de rua também leva medo a quem frequenta a região

Foto: Ed Alves

No centro da capital da República, a cinco minutos da Praça dos Três Poderes, um cenário de insegurança é vivenciado por quem circula diariamente ou trabalha na área central de Brasília. Tráfico de drogas, furtos, roubos, e até tentativas de homicídio, estão no rol de crimes ocorridos com frequência no local. Semana passada, um homem foi esfaqueado na Rodoviária do Plano Piloto em uma tentativa de assalto, segundo a Polícia Militar.

Pelos arredores do Setores Comerciais Sul e Norte, Setor Bancário e Setor Hoteleiro, o Correio flagrou algumas situações de uso de drogas em plena luz do dia e em horários de pico, com maior movimentação. No corredor de passagem do SCS, que dá acesso ao Pátio Brasil Shopping, pessoas em situação de rua improvisaram cabanas e, segundo ambulantes e pedestres que circulam por ali, intimidam quem passa.

Junior de Jesus, 35 anos, é vendedor ambulante na área, mora no Recanto das Emas e vai diariamente ao Setor Comercial Sul para comercializar brinquedos e roupas. “Às vezes, tem policiamento, às vezes, não. Lidamos muito com roubos e furtos, devido à quantidade usuários de drogas e de pessoas em situação de rua. Se nos descuidamos, nossas mercadorias acabam sendo levadas. E como muitas vezes eu saio às 20h, se não tomo cuidado também sou roubado na caradura”, diz.

O ambulante relata uma situação que o deixou transtornado pelo prejuízo que teve. “Um dia eu saí e deixei uma pessoa olhando as mercadorias, mas nunca é a mesma coisa. Eles (usuários de drogas) passaram e levaram bota, blusa e não percebemos. Acontece em um piscar de olhos.” Para minimizar casos como esse, Junior cobra mais policiamento na área.

Dados obtidos pelo Correio por meio da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram que, entre janeiro e fevereiro deste ano, foram registradas 246 ocorrências sendo: 53 roubos a pedestres; um roubo em comércio; 52 furtos em veículos; 59 furtos a transeuntes; 29 casos de tráfico de drogas e 52 registros de uso e porte de drogas.

A pasta informou ainda que no primeiro bimestre deste ano, assim como no mesmo período do ano passado, não foram registradas ocorrências de crimes violentos letais e intencionais na zona central do DF, como homicídio, latrocínio (roubo seguido de morte) e lesão corporal seguida de morte. Da mesma forma, não foram registrados roubos a residência nem outros crimes como tentativa de homicídio, estupro e posse/porte de arma de fogo.

O comerciante Marcos Paulo Viana, 30, tem uma loja de churros e cobra reforço no policiamento ostensivo. “Se tiver mais policiamento, as taxas de criminalidade na região poderiam cair. Presencio muitas situações perigosas, brigas, furtos, roubos”, diz. “Aqui também tem muitas pessoas em situação de rua. Como estou trabalhando aqui todos os dias, eles respeitam bastante. Sempre que posso também eu ajudo com alguma coisa para comer, mas sem dar dinheiro porque eles pegam somente para usar drogas”, afirma.

Mais policiamento
Larissa Liberato, 26, e Maria Liberato, 52, são ambulantes e vendem sutiãs e shorts próximo ao Pátio Brasil. Há quase três anos no local, elas precisaram adaptar o horário de trabalho por causa da insegurança. A banca que mãe e filha administram funciona das 8h às 17h. Depois disso, é impossível permanecer, relatam. “Nós nunca fomos vítimas de roubo, mas até as vendas caem com a insegurança, porque os clientes evitam passar e os que passam não ficam nem cinco minutos olhando as peças. Saem logo e falam que é por medo”, detalha.

Segundo as comerciantes, os usuários de drogas ostentam facas e chegam a vender ou trocar os itens de cesta básica por entorpecentes. “Eles ficam aqui gritando, dizendo que têm muito dinheiro. Já vimos muitas brigas pesadas, a ponto de um ser esfaqueado”, afirmou Larissa.

No Setor Hoteleiro Sul — local onde se recebe e acomoda times de futebol, empresários, políticos e autoridades —, os problemas são a falta de iluminação, mau cheiro, entulho espalhado e lixo jogado no chão. O mesmo ocorre nos Setores Bancários Sul e Norte. Embaixo dos viadutos, o fluxo intenso de usuários de drogas e traficantes gera insegurança até para quem passa de carro.

Em nota, a SSP-DF destacou a importância do registro de ocorrências pela população para subsidiar a elaboração de estudos e manchas criminais que indiquem dias, horários e locais de maior incidência de cada crime, entre outras informações relevantes para o processo de investigação. “Esses levantamentos são utilizados na elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo da Polícia Militar, bem como para a identificação e desarticulação de possíveis grupos especializados por parte da Polícia Civil do DF (PCDF)”, afirmou a pasta.

A PM trabalha com a ronda ostensiva em pontos estratégicos. Já a PCDF trabalha investigando traficantes que atuam na área central. Em agosto do ano passado, uma megaoperação desencadeada pela 5ª Delegacia de Polícia, responsável pela área, cumpriu 36 mandados de busca e apreensão e 34 de prisão temporária contra grupos criminosos responsáveis pelo tráfico de crack, maconha e cocaína na área central.

Os grupos se dividiam de maneira organizada entre líderes, responsáveis pelo transporte, vigias e vendedores e se posicionavam em pontos combinados, como na Rodoviária do Plano Piloto. As investigações começaram em setembro de 2021, quando a polícia descobriu que os criminosos se organizavam em pontos estratégicos para a venda dos entorpecentes, como na Rodoviária, no Conjunto Nacional, no Conic, no Setor Comercial Sul e nos arredores.

De maneira meticulosa, dois grupos pensavam os mínimos detalhes para garantir a venda das drogas e evitar a fiscalização da polícia. Para dificultar a atuação das forças de segurança, os responsáveis pelo transporte das drogas faziam o trajeto do local onde estava armazenado o entorpecente, geralmente em Ceilândia ou no Entorno do DF, no horário da troca de turno do efetivo de policiais.

Com as drogas em mãos, os criminosos entregavam as substâncias para outro “setor” da associação, que ficava encarregado de esconder os entorpecentes próximo aos pontos de venda. Os responsáveis pela guarda e vigilância repassavam as drogas em pequenas quantidades para os vendedores (geralmente usuários de drogas, adolescentes e moradores de rua).

Após a venda final, o dinheiro ou objeto recebido como pagamento era entregue para outros membros do grupo, como pessoas que trabalhavam em locais próximos, ambulantes, flanelinhas, vigias e até taxistas. A polícia identificou que os grupos utilizavam motoristas de transporte por aplicativo e taxistas para transportar drogas e também clientes que iriam adquirir os entorpecentes.

Moradores de rua
Outra queixa de comerciantes e frequentadores desses espaços é a grande quantidade de pessoas em situação de rua. Na quinta-feira, os secretários da Casa Civil, Gustavo Rocha; de Desenvolvimento Social, Ana Paula Marra; de Proteção da Ordem Urbanística, Cristiano Mangueira; e de Comunicação, Weligton Moraes, apresentaram um plano de ação para reduzir a população de rua no Distrito Federal, com ações de acolhimento.

A primeira ação do plano começou na sexta-feira, em frente ao Centro Pop, da 904 Sul. Na operação foi ofertado acolhimento institucional para 24 pessoas que vivem em situação de rua no local, distribuídas em 19 barracas. O projeto incluirá todas as secretarias do DF, considerando sete eixos de atuação: assistência social; saúde; ações funcionais de zeladoria, que desobstruem áreas públicas; cidadania e educação; habitação; trabalho e renda; e produção e gestão de dados.

Correio Braziliense

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