Carros abandonados são resultado da ausência de Código de Posturas, diz pesquisador

Os carros, não incomuns de serem encontrados nas quadras residenciais do Plano Piloto e demais regiões do DF, evidenciam certo descaso

Foto: SSP/DF

O problema de carros abandonados em quadras residenciais no Distrito Federal, como mostrou o Jornal de Brasília na última sexta-feira (1º), pode ter origem na falta de um documento intitulado como Código de Posturas. A escritura tem o poder de regularizar questões urbanísticas nas cidades, com normas e políticas administrativas, incluindo punições àqueles que o descumprirem.

Por meio dele, estados brasileiros como Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, entre outros do país, mantém os municípios dentro de uma conduta comum, impedindo, por exemplo, o abandono de carros em vias públicas e estacionamentos, com punições de multa ou mesmo a remoção dos veículos.

Anteriormente, projetos foram iniciados para a formulação de um documento do tipo, mas a papelada não saiu da minuta inicial em 2013 durante o mandato de Agnelo Queiroz como governador do Distrito Federal (2011-2014). Os links da proposta, presentes em notícias antigas da época do governo, levam para endereços não mais existentes, com o código de erro “404 Not Found [não encontrado]”.

De acordo com o pesquisador e professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (UnB), especialista em direito urbanístico, Francisco Flósculo, a falta de um documento como este na cidade de Brasília, com mais de 60 anos, é a principal razão para problemas que vão além do abandono de veículos. Os carros, não incomuns de serem encontrados nas quadras residenciais do Plano Piloto e demais regiões do DF, evidenciam certo descaso geral de cuidado com a cidade.

Segundo especificação descrita no Manual Brasileiro de Fiscalização do Trânsito, Volume I, de 2010, “o simples abandono de veículo em via pública, estacionado em local não proibido pela sinalização, não caracteriza infração de trânsito, assim, não há previsão para sua remoção por parte do órgão ou entidade executivo de trânsito com circunscrição sobre a via”. Isso não significa, porém, que não possa haver pressão para a retirada do veículo.

Trata-se, segundo ele, de um comodismo por parte das autoridades competentes e das administrações regionais em não tratar da questão diretamente com os moradores donos dos carros, além da falta de organização comunitária das prefeituras das quadras residenciais. “O código de posturas é essencial para resolver muitos problemas que envolvem o espaço público”, destacou.

“Minha colocação como urbanista não é de ‘higienismo’ [como uma forma apenas de limpeza da cidade], mas de questionamento. Por que a sociedade ignora os abandonos? Os administradores regionais deveriam ser dialogadores. O lixo urbano, abandonos e degradações do ambiente são responsabilidade dos administradores, que deveriam conversar mais com a comunidade [no sentido educacional]”, criticou.

Ele destaca que, com uma pressão comunitária sobre veículos abandonados nas quadras, a questão seria resolvida com agilidade. O comodismo da comunidade com o abandono dos carros, segundo o especialista, evidencia também uma inatividade para outras formas de abandono, como o de idosos.

A relação estabelecida entre os veículos e os idosos pelo professor se caracteriza pela falta de disponibilidade de cuidar daqueles que envelhecem. “Quando o carro está velho e não tem solução, as pessoas têm como alternativa o abandono. Da mesma forma, os filhos passam a cuidar cada vez menos dos pais na medida em que eles vão envelhecendo”, disse.

“Brasília é uma cidade maravilhosa e os brasilienses deveriam se dedicar mais à qualidade de vida urbana. A comunidade deve estar muito adiante, cuidando e observando onde vive. O carro abandonado é mais um símbolo de coisas que acontecem nas comunidades e não podemos deixar acontecer. Temos de tratar como uma coisa pessoal”, reforçou.

Conforme a Teoria das Janelas Quebradas, muito difundida na criminologia, criada por James Q. Wilson e George L. Kelling, e citada por Flósculo sobre a questão do abandono, em ambientes onde infrações penais – neste caso, descasos – são cada vez menos tratadas e resolvidas, dando sensação de impunidade, há o crescimento gradual de violações à legislação. Assim também acontece com o abandono de carros, segundo o professor.

Durante a apuração da reportagem em locais com carros abandonados, pôde-se constatar em conversas com moradores das quadras 714 e 713 da Asa Sul, que os veículos de fato não incomodam parte da vizinhança.

DF Livre de Carcaças
Por outro lado, atualmente, a única situação em que as autoridades públicas retiram veículos das vias é quando estes oferecem riscos à saúde de determinado local. Quando os vidros estão abertos ou quebrados, com brechas para a entrada da água da chuva, existe o risco de haver água parada, isto é, foco do mosquito Aedes aegypti, transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya.

Sendo assim, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), com a finalidade de garantir a seguridade sanitária da localidade, além de oferecer também sensação de segurança à região, criou o programa DF Livre de Carcaças, que completou dois anos em fevereiro de 2022. De 2020 para cá, foram 823 carcaças retiradas das ruas do DF, em 23 regiões administrativas.

De acordo com a pasta, além do acúmulo de água, o depósito irregular de lixo também integra um dos critérios para o recolhimento do automóvel abandonado, realizado com o auxílio de um guincho ou pequenos guindastes. A SSP destaca que o mapeamento e identificação dos veículos abandonados são feitos com apoio dos conselhos comunitários de segurança (Consegs) e das administrações regionais.

As operações são feitas em parceria com a Secretaria de Governo, DF Legal, Departamento de Trânsito (Detran-DF), Polícia Militar (PMDF), Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival), Secretaria de Saúde e Novacap.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

J.Br

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