Ai dos vencedores nas vitórias de Pirro

Multidões de derrotados nas eleições presidenciais acamparam em frente aos quartéis e pedem socorro aos militares

Foto: Guilherme Lopes

Por Deonísio da Silva

 

Algo de muito estranho está ocorrendo hoje no Brasil. Multidões de derrotados nas eleições presidenciais acamparam em frente aos quartéis e pedem socorro aos militares. E muitos estão lá com seus familiares.

Isso jamais aconteceu antes. É inédito também o desprezo de que vêm sendo vítimas pela grande mídia, a imprensa tradicional, que sequer noticia o que está ocorrendo. E quando o faz é para desprezar os manifestantes, em vez de trazer a público suas razões, expor prós e contras e deixar aos leitores, aos ouvintes e aos telespectadores o direito à opinião para tirar suas conclusões. Isto é tão importante nas democracias que a imprensa já foi designada como o quarto poder.
Que luzes podemos trazer para este cenário?

A História traz numerosos exemplos de guerras assustadoras, não para os derrotados, mas para os vencedores. Uma das mais célebres, que tornou famosa a expressão “Vitória de Pirro”, foi travada entre as tropas do citado comandante contra o exército romano.

O vitorioso fez duas observações importantes: não havia nenhum soldado romano ferido pelas costas no campo de batalha, e nas províncias vizinhas aumentava o número de voluntários para suprir as baixas havidas. Isto é, ninguém tinha batido em retirada e estavam chegando reforços para o vencido.

Pirro, o vencedor, enviou então um emissário a Roma. E este o deixou ainda mais apreensivo quando retornou dizendo que a proposta de paz não tinha sido aceita. Por quê? Os maiorais davam mostras de aceitar, mas o Senado romano, que lhe pareceu uma assembleia de reis, decidira o contrário: manter a guerra. E nas lutas seguintes os romanos saíram vitoriosos, sem nenhuma apreensão; ao contrário, entusiasmados com o apoio popular a seu exército.

Não se sabe qual será a proposta das lideranças brasileiras para resolver esse tema e esse problema, e nem se ela, uma vez formulada, será aceita por consenso, como houve em 1984 com as “diretas-já”. Não vieram as eleições diretas para presidente da República, mas foi interrompido ali o ciclo militar pós-64 mediante um candidato e um processo aceitos pelas partes em conflito.

O desfecho é conhecido de todos. Tancredo Neves foi eleito indiretamente por nossa assembleia de reis, a vitória não foi de Pirro, ninguém foi encontrado ferido pelas costas nos campos de batalha, o presidente eleito não pôde assumir, e o vice, o escritor José Sarney, tomou posse, fazendo valer a máxima da política nacional: no Brasil, vice assume.

Cuidado com os vices, pois. E no governo seguinte o vice voltou a assumir, depois do impeachment de Fernando Collor, aquele que enfim tinha sido eleito do modo preconizado pelo sonho frustrado das “diretas-já”. Aliás, o presidente Jair Bolsonaro também sucedeu a um vice que tinha assumido.

Para encerrar, lembremos Guimarães Rosa: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Ou então, em português vulgar, aquilo que este professor e escritor leu um dia no balcão de um hotel de Buenos Aires ao fazer seu registro de chegada: “Quando o marido discute com a mulher, há pelo menos três pontos de vista em questão: o do marido; o da mulher; e o correto”.

Que venha a paz entre os brasileiros. Chega de guerra e de divisões internas. Isso não vai acabar bem.

 

(Deonísio da Silva é professor e escritor, seus livros estão publicados no Brasil e em Portugal pela editora Almedina).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Revista Oeste

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