Em queda de braço por verbas, Congresso reage à pressão de Lula e coloca governo na defensiva

Foto: Marina Ramos

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), rompeu o silêncio do recesso e deu um duro recado ao Palácio do Planalto no discurso de abertura dos trabalhos legislativos, na segunda-feira (6): a maioria dos parlamentares está insatisfeita com as investidas contra “acordos feitos” e não abrirá mão dos recursos reservados para as suas emendas ao Orçamento da União. A reação não mais se restringe ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e agora alcança o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Outro mau sinal para o governo veio nesta terça-feira (6), quando foi cancelada uma reunião entre líderes da Câmara e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir a Medida Provisória (MP) da reoneração da folha de pagamento – um dos pontos de atrito entre o Executivo e o Legislativo, já que no ano passado o Congresso aprovou a prorrogação do benefício para 17 setores e o governo, em busca de aumentar a arrecadação, quer voltar a cobrar o imposto.

Uma reunião com líderes do Senado para tratar do mesmo tema foi mantida para a tarde desta terça. Mesmo assim, a tendência é de que essas conversas pré-Carnaval não sejam suficientes para convencer os líderes do Congresso a mudar a perspectiva de derrubada dos vetos de R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão, que substituíram as emendas de relator proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e da MP da reoneração.

Em queda de braço por recursos federais em ano eleitoral, governo e Congresso têm cada um cerca de R$ 53 bilhões para armar seus palanques em redutos país afora, com emendas parlamentares e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Lula até tentou nos bastidores iniciar uma conversa de que uma coisa poderia se juntar à outra, bastando apenas deputados e senadores direcionarem seus recursos orçamentários para obras do PAC. Lira, contudo, fez questão de dizer no seu discurso que “o Orçamento é feito por todos” e não só do Executivo, e não pode ficar engessado por burocratas que não foram eleitos.

O mau humor de Lira já verificava não apenas no seu silêncio diante das tesouradas do governo e da insistência de Lula em derrubar decisões do Congresso, mas também na ausência dele na posse do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, na semana passada.

O presidente da Câmara fez questão de mostrar que os deputados fizeram “a sua parte” ao aprovar a reforma tributária, o arcabouço fiscal e as mudanças no voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), esperando contrapartidas. Mas os negociadores do Planalto já sabiam que a falta de um calendário rígido de pagamento das emendas reduziria drasticamente seu poder de barganha com o Legislativo e demandaria uma investida arriscada. Mas após a reação de Lira, nem mesmo aliados mais próximos de Lula ousaram questioná-lo.

Se for mantida a programação de emendas desejada pelo Congresso em 2023, quase a metade dos investimentos da União ficará diretamente nas mãos dos parlamentares, sem qualquer interveniência do Executivo. É o domínio da “sola de sapato”, nas palavras de Lira. A serem executada até junho, foram aprovadas 7,9 mil emendas parlamentares individuais, de bancadas estaduais e de comissões, que somavam R$ 53 bilhões. Com o veto de Lula nas emendas de comissões, o valor total seria reduzido para R$ 44,6 bilhões.

As emendas de comissão somariam R$ 16,6 bilhões, mas a previsão cairia para R$ 11 bilhões, ainda assim muito superior ao do ano passado (R$ 7,5 bilhões). Mas há também as emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as de bancadas (R$ 11,3 bilhões), que não sofreram vetos de Lula.

O presidente deixou clara a sua disputa por recursos para o PAC, que já tinha reservado cerca de R$ 55 bilhões em 2024, tentando elevar essa cifra para R$ 61,3 bilhões. Os parlamentares, por sua vez, preferem o atendimento direto às bases, em parceria com os prefeitos, algo que o próprio Lira explicitou em sua incisiva fala.

Como força de compensar o inevitável desgaste, Lula até sancionou sem vetos os R$ 4,9 bilhões do Fundão Eleitoral, mesmo valor empregado nas eleições nacionais de 2022. Mas não foi o suficiente.

Lira procurou também desarmar outra pressão que o Planalto tem arquitetado contra ele, a da sucessão na Presidência da Câmara em fevereiro de 2025, avisando que esse jogo não interferirá na sua intenção de seguir ditando o ritmo das votações e da composição da pauta legislativa.

Governo tenta pôr panos quentes na relação com Lira
Após o discurso de Arthur Lira no plenário da Câmara, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que participou da cerimônia, buscou minimizar o tom do recado dado: “Não achei preocupante. Ele fala em nome do Parlamento. E é importante que o Parlamento se manifeste. Nós haveremos sempre de encontrar, no diálogo, no entendimento, na conversa, vamos ajudar a construir pontes, a manter as pontes”, ponderou. “Tem uma concordância entre a fala dele e nosso entendimento, quando ele diz que errará grosseiramente aqueles que apostarem num confronto do Legislativo como o Executivo”, acrescentou.

Na mensagem que Lula deixou ao Congresso, houve uma tentativa de afagar os parlamentares e reconhecer o esforço deles na aprovação de projetos encaminhados pelo governo. “Todas essas vitórias conjuntas, algumas vindas de projetos apresentados pelo Executivo, outras oriundas de textos iniciados no Congresso, representam o nosso compromisso comum com o Brasil e o povo brasileiro”, comunicou o presidente, que julgou ser “importantíssimo” o papel dos parlamentares para concretizar o novo marco fiscal e promulgar a reforma tributária.

O presidente da Câmara, por sua vez, procurou mostrar que tem agenda própria, citando a reforma administrativa para “atualizar os serviços públicos”, que desagrada os governistas.

Pacheco tenta mostrar independência, mas em tom ameno
Em tom distinto e bem mais ameno que o de Lira, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mostrou proximidade com Lula. Ele defendeu a independência do Legislativo, se propôs a seguir com a agenda de contenção do Judiciário e perseguir uma reforma política importante, a partir do fim da reeleição. “Liberdade de consciência, liberdade religiosa, liberdade de imprensa. Proteger a tão necessária liberdade de expressão, que não se confunde com liberdade de agressão”, sublinhou.

Pacheco fez um discurso diplomático, destacando a importância do equilíbrio entre os Três Poderes para o desenvolvimento do país. “Trabalharemos para aprimorar a maneira como atuam os Poderes da República, inclusive os Poderes Executivo e Judiciário, sempre prezando pelo diálogo e pelo respeito mútuo, algo essencial para garantir mais segurança jurídica e, consequentemente, o progresso socioeconômico nacional”, frisou.

Neste ponto, Lira apenas condenou a “polarização raivosa”, prometendo investir na “boa política” que se espelha no Centrão, alheio à luta entre as minorias de oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a da esquerda fiel a Lula e do qual ele é o seu principal líder.

Gazeta do Povo

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