Educação anuncia hoje seleção de projetos de combate à violência doméstica

Projetos de sucesso são reconhecidos pela Secretaria de Educação do DF com objetivo de educar futuras gerações para prevenção e combate aos crimes cometidos contra as mulheres. O Penha está na escola e o Entre elas são alguns deles

Foto Reprodução

Os mecanismos de repressão à violência contra a mulher têm avançado nos últimos anos, com as leis Maria da Penha e do feminicídio como qualificador do homicídio praticado em razão do gênero da vítima. No entanto, a batalha contra a escalada do número de mortes de mulheres no Distrito Federal precisa ocorrer em outras frentes, principalmente na educação, onde projetos exitosos promovem a mudança de consciência em relação à cultura do machismo.

A Secretaria de Educação vai anunciar hoje os projetos selecionados de práticas bem-sucedidas na Política de Enfrentamento de Violência contra Meninas e Mulheres, feito pela Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape). Um deles é o Penha está na escola, que tem ganhado destaque e é realizado no Centro Educacional (CED) 310 de Santa Maria. O objetivo da iniciativa é transformar a escola em local de escuta sensível e de formação e criação de uma rede de proteção e de apoio às questões relativas à violência contra meninas e mulheres. “Nós não tratamos só a violência em si, também orientamos os alunos a identificarem namoros abusivos, assédio no trabalho e discutimos o machismo na sociedade”, ressalta a professora Vânia Souza, coordenadora do projeto.

O Penha está na escola surgiu a partir de outro projeto, o Nós propomos, no qual a pergunta “Qual é o problema de sua quadra?” foi lançada nas salas de aula da instituição. A partir da provocação, foi percebido que a violência doméstica estava presente no cotidiano dos estudantes, revelando a importância de elaborar ações específicas para a busca de soluções. Em 2017, ano em que o projeto começou a ser executado, 70 estudantes participaram do projeto. Até hoje, 700 atuaram nas rodas de conversa, palestras e oficinas oferecidas.

Vânia aponta que o projeto ocorre em etapas. A primeira é em sala de aula, com a sensibilização dos problemas locais, mapeamento de questionamentos por meio de rodas de conversas e debates. Também em sala, a segunda etapa tem foco na elaboração de uma proposta de intervenção a partir de pesquisas e confecção de cartazes, exposições e produção de vídeos. “Já a terceira etapa é a culminância, quando levamos especialistas de órgãos e outras instituições para dar oficinas aos estudantes. Recebemos profissionais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e já recebemos mulheres estudantes de direito, o que serviu de inspiração para as acadêmicas. São conversas que tratam de temas como a Lei Maria da Penha, violência no namoro, feminicídio, cyberbullying e como sair de um relacionamento tóxico. Cartilhas educativas são distribuídas para eles”, explica Vânia.

Entre as transformações proporcionadas pela iniciativa, a professora enumera o relato de mudanças nos relacionamentos amorosos entre os alunos, reconhecimento do problema da violência na família e registro de denúncias e amigas aconselhando e ajudando umas às outras a sair de relações abusivas. “Quando necessário, fazemos o trabalho de encaminhamento para a rede de proteção”, detalha.

O espaço para se expressar é uma das maiores qualidades do projeto, segundo a estudante Amanda Vitória Alves dos Santos, 17 anos. “Já vi muitas escolas fazerem cartazes e dar cartilhas, mas o CED 310 dá a chance para nós relatarmos o que estamos passando”, diz a aluna do segundo ano do Ensino Médio. Ela conta que dois colegas da turma já contaram que passaram por situações de violência e receberam a orientação de como agir naquele contexto.

Entre Elas
Outro projeto reconhecido pelo Eape foi o Entre elas, que estimula reflexões acerca das relações de gênero e dos diferentes tipos de violência existentes, visando o empoderamento feminino e a valorização da mulher. “Em 2021, ainda no modo remoto por conta da pandemia, percebemos que havia subido os casos de violência doméstica e violência contra a mulher, em geral. Foi quando começamos a traçar o projeto”, conta a professora Simone Delgado, coordenadora do projeto aplicado no Centro de Ensino Médio (CEM) 4, de Sobradinho 2.

A iniciativa consiste em rodas de conversa com alunas do diurno, que têm entre 14 e 17 anos, e do noturno, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com estudantes mulheres de 18 a 60 anos. Já as saídas de campo, palestras e oficinas contam também com a participação dos estudantes meninos e homens. “Nós preparamos os estudantes para a prevenção à violência, mas não é só isso. Também é trabalhada a valorização da mulher nos mais diversos espaços”, detalha a educadora.

Simone lembra que a escola é localizada em uma região de vulnerabilidade social. Um levantamento feito entre as estudantes apontou que 30% das alunas nunca tinham ido ao cinema. “Grande parte nem pensa em ir para a faculdade. Sequer sabem onde fica a Universidade de Brasília (UnB)”, diz a coordenadora. Treze professores estão envolvidos no projeto, apoiados pelos gestores da instituição.

De acordo com a coordenadora, algumas mudanças são perceptíveis na convivência da comunidade escolar. “A primeira mudança foi na forma como a direção passou a tratar as questões relacionadas à violência. Antes, era um tratamento mais silencioso. Agora, a instituição já promove mais diálogos pautados nos direitos humanos e no respeito à diversidade”, observa.

“As meninas também estão mais empoderadas, mais à vontade para expressar opiniões e reagir diante de situações abusivas. Muitas vezes, a mulher nem sabe que está passando por uma situação problemática e fica presa nesse contexto”, sustenta Delgado. “As meninas também estão relatando mais essas situações para a equipe da escola, porque elas sabem que serão acolhidas. E, quando necessário, encaminhamos a situação para a rede de proteção, acionando as autoridades competentes de cada caso”, complementa.

Manuela Fonseca Flores, 15 anos, participa do Entre elas desde o início do ano. A estudante do 1º ano do Ensino Médio afirma ter aprendido o real valor da mulher com o projeto. “O machismo coloca na cabeça das mulheres que elas são fracas, que não têm poder. Mas, a verdade é que somos fortes, donas de si. Não devemos ter medo, mas, sim, coragem. Nenhum homem pode dizer o que devemos fazer ou como nos vestir”, declara a estudante, que ainda destaca a importância da autoestima da mulher para o empoderamento.

Cultura da paz
Maria das Graças de Paula Machado, subsecretária de Formação Continuada dos Profissionais de Educação da Secretaria de Educação, conta que o órgão oferece cursos às equipes das escolas a fim de fomentar a cultura de paz. “Os profissionais da educação recebem orientação dos formadores para que desenvolvam a capacidade de perceber sinais de violência, mudanças de comportamento e outros tipos de abusos no corpo discente, para que, então, as autoridades competentes sejam acionadas”, explica a gestora. Os projetos reconhecidos pelo Eape, segundo Maria das Graças, serão replicados nas outras unidades de ensino da rede pública do DF, após ação de capacitação das equipes de cada escola.

A secretária da Mulher do DF, Giselle Ferreira, é professora de formação e diz saber, na prática, o poder da educação na transformação de vidas. “Precisamos mudar a mentalidade de uma geração, fortalecer meninos e meninas no entendimento da importância do respeito e ensinar que em briga de marido e mulher se mete a colher, sim”, sustenta. Por conta da natureza multidisciplinar do assunto, ela aposta em parcerias com as secretaria de Educação e de Segurança Pública (SSP), o TJDFT e a Defensoria Pública do DF. “A mulher informada inibe a agressão e o agressor”, argumenta.

Entre outros projetos, Giselle elenca o Maria da Penha vai à escola, parceria com o Tribunal de Justiça, e o Maria da Penha vai à igreja, parceria com a SSP, com o objetivo de conscientizar líderes de todas as denominações religiosas acerca do problema da violência de gênero.

Ferramenta potente

A juíza Gislaine Campos Reis, coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher e titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Santa Maria, foi uma das representantes do TJDFT que participaram do projeto Penha está na escola. A magistrada conta ao Correio que a Lei Maria da Penha indica que as instituições de diferentes áreas precisam se articular para garantir os direitos das mulheres, como saúde, educação, judiciário e Ministério Público. “Falar sobre a Lei Maria da Penha e outros normativos de proteção é mostrar aos estudantes a necessidade de uma sociedade em que meninos e meninas possam viver em igualdade de condições para expor suas habilidades, suas competências. E igualdade também pressupõe uma vida sem violências, quando, por exemplo, um namoro é desfeito”, sustenta a juíza.

“Para mim, como magistrada de violência doméstica da cidade há 10 anos, é muito gratificante ver o tema ser tratado com tanto cuidado, sensibilidade e técnica pelas escolas de Santa Maria e tento participar de perto e ativamente do programa, pois acredito que a educação de fato é a ferramenta mais potente para que haja efetiva mudança no cenário de violência contra a mulher”, diz Gislaine, que lembra que o projeto foi idealizado pelo Núcleo Judiciário da Mulher do TJDFT e que hoje abarca 14 instituições de ensino.

Correio Braziliense

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