Diante da expectativa da retomada de investimentos do governo no transporte sobre trilhos, fabricantes do setor ferroviário estão animados com a volta dos pedidos. De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, o ambiente é favorável para o novo plano nacional de ferrovias, que está sendo preparado pelo Ministério dos Transportes e deverá dobrar a participação do segmento até 2035.
“O governo pretende retomar os projetos de ferrovias e será possível ampliar participação do setor, de quase 20%, para 40% até 2035”, destaca Abate, referindo-se ao anúncio feito pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, em um evento do setor, na semana passada, em São Paulo.
O plano de ferrovias deverá ser anunciado depois do lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aguardado para a próxima sexta-feira, dia 11, prevendo todos os movimentos, como renovações e leilões. “O Brasil tem os famosos 30 mil quilômetros de trilhos, onde 10 mil km são utilizados, outros 10 mil km subutilizados e 10 mil km totalmente ociosos”, lamenta.
Vicente Abate cita como exemplos a Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), o projeto da Nova Ferroeste, de 1,6 mil km que liga o porto de Paranaguá (PR) ao Mato Grosso do Sul — que deverá ser leiloado pelo governo do Paraná — e a possibilidade da Ferrogrão entrar no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Existem vários projetos em andamento e isso, para a indústria, soa como música, porque haverá necessidades de vagões, locomotivas, aparelhos e dormentes”, destaca Abate. Segundo ele, o Brasil ainda não tem demanda suficiente para a instalação de uma usina siderúrgica para a fabricação de trilhos. “Ainda falta um compromisso formal de que a malha vai crescer”, explica.
A Ferrogrão, que prevê uma linha ferroviária de Sinop-MP até Itaituba, no Pará (PA) — tema de reportagens publicadas pelo Correio —, é um projeto considerado fundamental para alcançar o objetivo de avançar no transporte de trilhos na próxima década. Os 933 quilômetros de trilhos, que fazem parte do projeto, foram pensados para interligar a ferrovia com hidrovias que levam aos portos de Miritituba e de Santana, ambos no Pará, que darão acesso ao Amapá, e a partir daí, permitirão exportações com muito mais eficiência até a América Central, do Norte e a Ásia, levando a uma economia de bilhões de reais.
No entanto, como a série aponta, existem entraves ambientais, em razão da eventual redução dos limites do Parque Nacional de Guaraxaim, além da passagens da malha por reservas indígenas e localidades onde estão povos tradicionais isolados, ou seja, que nunca tiveram contato com o homem branco. Estes problemas fazem o governo refletir sobre incluir a Ferrogrão no PAC e como avançar na proposta para dobrar a malha ferroviária utilizável.
Além disso, ao longo dos próximos 12 anos, existe a necessidade de manter em operação a malha atual, para completar com as novas ações. O economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria InterB, destaca que, historicamente, o Brasil investe abaixo do necessário para preservar a infraestrutura das ferrovias. “O país precisa investir para melhorar a qualidade e quantidade de interconexões, porque a conectividade é historicamente baixa no país”, afirma. Segundo ele, mesmo com o aumento do espaço fiscal para investimentos no setor previstos na PEC da Transição, o volume ainda é “potencialmente efêmero” para uma modernização, que precisará estar baseada nos investimentos privados.
Investimentos
Conforme dados da InterB, em 2022, foi investido no setor 1,86% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura, totalizando R$ 158,4 bilhões, sendo R$ 105,6 bilhões desse total, provenientes da iniciativa privada. A média de investimentos do setor entre 2019 e 2022 respondeu por R$ 47,8 bilhões e 18% desse montante (R$ 8,6 bilhões) foram destinados ao transporte ferroviário, sendo R$ 8,1 bilhões de investimentos privados.
De acordo com a consultoria, para este ano, a previsão é de um aumento de 2,9% dos investimentos em infraestrutura, para R$ 204,6 bilhões, ou 1,94% do PIB, caso o Ministério dos Transportes “execute a integralidade do planejado”. Em transportes, a previsão de investimentos é de R$ 67,5 bilhões, dado 11% acima dos R$ 60,7 bilhões registrados em de 2022. E, desse montante, R$ 8 bilhões serão para ferrovias. “É imperativo um esforço sistemático para atrair um número maior e diversificado de investidores no país, e, dentre outras iniciativas, é essencial que o governo tenha um compromisso com um ambiente de negócios alicerçado na estabilidade macroeconômica e em uma radical redução da complexidade e dos litígios tributários”, destaca Frischtak.
Segundo Abate, a ociosidade dos fabricantes nacionais está muito elevada. “Em 2022, a indústria ferroviária de passageiros registrou 100% de ociosidade e, graças ao ganho de uma concorrência no exterior, as encomendas voltaram neste ano. Na área de cargas, a ociosidade chega a 80%, mas as empresas estão preparadas para uma retomada do setor, que viu a demanda diminuir desde 2015 e atingiu o fundo do poço em 2019”, explica.
Neste ano, a previsão da Abifer é, até o fim do ano, atingir a fabricação de 291 carros de passageiros, 1.500 vagões de carga e 31 locomotivas. “Por enquanto, existem, em carteira, encomendas de 400 vagões, podendo chegar a 600. As concessionárias tem uma frota muito grande de vagões que podem ser sucateados. E, hoje, a tecnologia está muito mais avançada, com vagões para o transporte de minério mais leves podendo carregar até 128 toneladas, enquanto os antigos levam de 100 a 110 toneladas”, destaca o presidente da entidade. “A nova fronteira é a celulose, pois a produção e a exportação estão aumentando e existem vagões especiais para o transporte dela, com cobertura de lona que é de fácil manuseio, reduzindo o peso e o aumento da carga útil”, destaca.
Além disso, de acordo com Abate, os fabricantes instalados no Brasil ainda pretendem trazer, em breve, da Europa a tecnologia das locomotivas movidas a hidrogênio verde também”, adianta. “Existem locomotivas híbridas, que estão sendo exportadas e nunca foram fabricadas e estão gerando estudos. E acreditamos que o hidrogênio verde, que já é realidade na Europa, venha para o Brasil também”, aposta.
A volta do sonhado trem bala
Há mais de 10 anos no papel, o projeto trem bala brasileiro vai ser uma realidade. Essa é a promessa de Bernardo Figueiredo, presidente da TAV Brasil, empresa criada para viabilizar a construção do trem de alta velocidade ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, e, quem sabe, em um segundo momento, um ramal ligando a capital paulistana à Brasília.
Ex-presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da ETav, estatal criada entre 2011 e 2012 para desenvolver o projeto do trem bala que estava no segundo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da ex-presidente Dilma Rousseff.
De acordo com Figueiredo, vários fabricantes estão interessados na retomada desse projeto, que não inclui a cidade paulista de Campinas, como no projeto anterior do governo. Agora, segundo ele, que negociou a concessão durante o governo anterior e firmou o contrato em fevereiro com a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o trem bala será 100% privado. A ideia do novo projeto, feito em parceria com coreanos, é ligar o centro das cidades de São Paulo ao centro do Rio de Janeiro em 1h30min. O valor do investimento gira em torno de R$ 50 bilhões.
O executivo conta que tem viajado ao exterior e conversado com fabricantes que conheciam o projeto anterior do trem bala. “Quando estava no governo, houve publicidade durante sete anos sobre o trem bala. E, agora, existem empresas especializadas de vários países que estão interessadas no projeto”, garante, em entrevista Figueiredo ao Correio. Sem citar os nomes das empresas, citou Espanha, França, Japão, Coréia do Sul e China. “Faz todo o sentido um trem bala ligando Rio a São Paulo, pois estamos falando de uma megalópole com mais de 40 milhões de habitantes”, defende Figueiredo. Ele espera conseguir, até 2025, a licença prévia ambiental.
De acordo com Figueiredo, o novo desenho não prevê o trem bala passando por aeroportos, “mas trafegando em paralelo à Via Dutra, como era previsto no antigo projeto”. Sem revelar onde serão as estações, ele dá pistas de que haverá interligação com a linha 6 do metrô de São Paulo, que está em construção na metrópole paulistana.
Correio Braziliense