A violência contra a mulher fez mais uma vítima no Distrito Federal. A auxiliar de cozinha Deylilane Alves Santos Conceição, 34 anos, morreu, ontem, após ser golpeada com uma chave de fenda pelo ex-companheiro Gedeon da Conceição, 37. A vítima, que já havia solicitado medidas protetivas, deixou o filho do casal, de 10 anos, no CAIC de São Sebastião, quando foi surpreendida pelo autor. Ele foi preso em flagrante. O caso foi tipificado pela Polícia Civil como o 22º feminicídio neste ano, de acordo com os números da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em 2022, foram registrados 16 casos no ano todo.
Deylilane temia pela própria vida e a do filho, mas não imaginou que Gedeon estaria à sua espera na porta da escola. Após deixar o menino na aula, a auxiliar de cozinha foi abordada pelo jardineiro, ainda na calçada do colégio. Um motorista de transporte escolar testemunhou o momento. Segundo depoimento da testemunha na 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião), responsável pelo caso, os dois discutiam de forma ríspida até que o homem puxou a chave de fenda de uma pequena bolsa. De acordo com os relatos, ela correu, mas o autor conseguiu alcançá-la.
A testemunha ressaltou que tentou ajudar e gritou por socorro, mas não conseguiu impedir o crime brutal. O autor tentou fugir, mas foi perseguido e pego pelo motorista e por outras pessoas. A Polícia Militar do DF e o Corpo de Bombeiros Militar foram acionados. A vítima foi socorrida e levada para a unidade de pronto-atendimento (UPA) de São Sebastião, mas não resistiu aos ferimentos.
Ao ser preso, Gedeon admitiu ter golpeado a ex-companheira, alegando que ela não o deixava ver o filho. Ele argumentou que tentou conversar com ela e, como se desentenderam novamente, resolveu atacá-la.
A diretora do Caic disponibilizou as imagens externas da escola, que captaram o momento em que a vítima foi atacada, bem como a prestação de socorro a ela na frente do portão de entrada. Como o garoto já havia sido deixado na escola, uma equipe do Conselho Tutelar de São Sebastião aguardou a psicóloga escolar para informar o falecimento da mãe ao menino. Após depor na delegacia, Gedeon foi encaminhado para o Instituto de Medicina Legal (IML) e recolhido à Carceragem da Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), onde deverá permanecer à disposição do Judiciário.
Histórico violento
Deylilane e Gedeon foram casados durante 15 anos e tentaram uma reconciliação após o divórcio. Desde 2021, eles estavam separados. Por conta do histórico de agressões, ela pediu medidas protetivas contra o ex-companheiro, que chegou a ser preso três vezes por descumpri-las. Em depoimento à Justiça, a mulher relatou que, quando moravam no Maranhão, o então marido a esfaqueou quando estava grávida, provocando a perda do bebê. Na época, ele chegou a ser detido, mas foi solto dois dias depois. A vítima comentou ainda que foi atendida em um hospital e que chegou a fugir do marido, indo para outra cidade, mas ele foi atrás e a ameaçou, caso se separasse dele.
No Distrito Federal, as ocorrências tiveram início em dezembro de 2020. Na primeira, Deylilane confidenciou que o acusado sempre foi agressivo, ciumento e possessivo e que ameaçava matar a sua mãe e as suas irmãs, caso ela se separasse. Em 16 de dezembro daquele ano, o casal começou uma discussão por ciúmes, no meio da confraternização dela no trabalho. Quando estavam retornando para casa, dentro de um carro de aplicativo, Gedeon começou a agredir a vítima, sendo repreendido pelo motorista.
No mesmo mês, a vítima relatou à polícia que Gedeon chegou sob efeitos de drogas em casa e passou a desferir chutes contra ela, que dormia com o filho. Aos policiais, ela desabafou. “Ele sempre foi agressivo, sempre! E eu sempre tive medo de denunciar ele, mas chegou num ponto que eu não aguentava mais, eu não tava mais aguentando ficar apanhando dele”, diz na ocorrência.
No Natal de 2020, a vítima disse que passou o dia trabalhando e, quando chegou em casa, o agressor, visivelmente bêbado, passou a atacá-la com chutes e ameaçá-la com uma faca em punho. A vítima saiu de casa, e foi para a residência da irmã, Deyvilane. Lá, Gedeon tentou entrar, mas não conseguiu. Não se dando por satisfeito, ele pulou o portão e invadiu a casa, onde deu uma cabeçada no nariz da cunhada, que sangrou. O marido e o filho presenciaram. Quando informado que a polícia teria sido acionada, Gedeon ameaçou matar todos e fugiu.
Apesar desses fatos, Deylilane pediu a revogação da medida protetiva, porque foi pressionada por Gedeon, que ligava todos os dias a ameaçando. Questionada pela Justiça se sente medo de Gedeon, Deylilane respondeu afirmativamente. “Eu tenho certeza que ele vai vir atrás de mim para me matar, eu tenho certeza disso, porque ele já tentou me matar várias vezes, eu tenho certeza que ele vem e eu tô com muito medo, não é à toa que vou ter que sair do meu endereço”, disse, à época.
Em 8 de fevereiro de 2021, a vítima requisitou a revogação das medidas protetivas, alegando que estava em harmonia com o réu e que desejava reatar o casamento. Logo após, em 21 de maio do mesmo ano, ela retornou o contato com o Policiamento de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar (Provid) e pediu ajuda, alegando que estava sendo ameaçada novamente e coagida pelo companheiro para que pedisse a revogação das medidas. No processo, uma policial militar que acompanhava a situação disse que a vítima estava com o nariz machucado e sentindo muito medo.
Nesse caso, Gedeon foi condenado a três meses e seis dias de detenção. No entanto, a Justiça decidiu colocá-lo em regime aberto, fixando medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Mas, entre fevereiro e março de 2022, Gedeon descumpriu as medidas protetivas diversas vezes. No processo, o assassino teria dito para a vítima que não aceitava a separação, e quando ele tirasse a tornozeleira, iria atrás dela. Ele reforçou, ainda, que, se fosse preso por “10 vezes”, ele iria atrás dela sempre que saísse da prisão, sempre com ameaças de morte. Infelizmente, a promessa foi cumprida.
Correio Braziliense