Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmar, na manhã de hoje (1/7) que vai pedir ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para fechar “quase todos” os clubes de tiro do país, empresários do setor, que falaram ao Correio na condição de anonimato, reprovaram a fala e mostraram preocupação com possíveis desdobramentos da medida. A declaração do chefe do Executivo Federal foi feita durante o programa semanal intitulado “Conversa com o Presidente”.
O ministro da pasta afirmou que vai investigar as unidades ilegais, que não estejam regulamentadas junto ao Exército Brasileiro. Segundo o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, o Distrito Federal é a 16ª unidade federativa com mais clubes de tiro regulamentados. Existem 35 unidades na capital do país, o que representa 1,6% do total, que passa de 1,5 mil locais no Brasil.
O dono de uma das unidades no DF disse acreditar que, se for oficializada, a determinação de Lula pode provocar prejuízo econômico e social para os funcionários destes locais, que correm o risco de ficarem perto da “marginalização”, como ele define.
“Em algum momento, essa é uma das atividades que traz processo de fiscalização, de nada consta, teste de fogo, teste psicológico e certidões que precisam ser apresentadas. Todas essas pessoas passam a ficar próximas de uma marginalização”, opina.
O empresário assegura que a quantidade de clubes de tiro ilegais — que serão o alvo das investigações do ministro Flávio Dino — é ínfima na capital federal. “Existe uma fiscalização muito bem feita pelo Exército Brasileiro, e não se observa um quantitativo gigantesco de clubes ilegais. Quando são ilegais, esses locais não podem registrar os atiradores que buscam um local legalizado para não ter esse tipo de problema. Portanto, isso não faz o menor sentido”, avalia.
Especialista combate generalização
Membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Thyone discorda do presidente Lula, pois acredita que toda generalização vem carregada de avaliações erradas e precipitadas. Para ele, os clubes de tiro que seguirem as regulamentações e que forem efetivamente fiscalizados, não necessitam ser fechados.
“Os Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) já existiam antes da flexibilização referente à política de armas de fogo. A maioria segue as normas e nunca precisou de subterfúgios para exercer suas atividades”, opina.
Para ele, é preciso que as novas regras sejam seguidas e a fiscalização aconteça de forma real e efetiva, pois o especialista do FBSP não considero que os clubes de tiro representem risco à segurança pública. “O que ocorre é que com a mudança da fiscalização quanto aos CACs, é preciso entender se a fiscalização dos clubes de tiro também será exclusividade da Polícia Federal ou não. Se for, isso exigirá do órgão maior efetivo para a atribuição, além de estrutura e recursos”, analisa Cássio.
Diante deste cenário, outro empresário do setor avalia como lamentável a declaração do presidente da República. “O tiro é uma modalidade esportiva, isento de pauta política e ideológica. Atletas e empresários estão sofrendo um ‘golpe’ com esse cabo de guerra entre direita e esquerda”, comenta.
Desarmamento natural
Autor do livro Armas para Quem?: a busca por armas de fogo, de 2021 — obra que é resultado de uma pesquisa sobre armas de fogo durante curso de especialização em gestão de segurança pública e justiça criminal —, o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Roberto Uchôa concorda com a opinião do presidente Lula. Ele acredita que a declaração foi mal interpretada pelo setor.
Uchôa acompanha a visão do presidente de que clube de tiro não é lugar para empresários, mas, sim, para associação esportiva. “A gente vai ter uma grande quantidade de pessoas, que eram CACs, procurando se desfazer das armas de fogo e clubes de tiro que viviam do pagamento dessas anuidades para servir como desculpa para o porte de arma, deixarem de funcionar”, analisa Roberto.
O especialista cita que, em 2017, havia 63,1 mil CACs no Brasil, número que aumentou quase 11 vezes em 2022, mais de 783,3 mil no país, segundo dados do Exército no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O período se refere ao mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que liberou o porte de armas de fogo para a população civil.
Uchôa acredita que esse aumento é algo artifical, pois as pessoas foram em busca de armas e munições para se manterem armadas, e não para praticar tiro nos clubes. “Temos que fechar clubes de tiro que foram abertos nesse sentido, e não aqueles que têm vinculação com as forças de segurança. Isso vai ser natural e não vai ser preciso uma proposta de legislação e elaboração de novos decretos”, conclui o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Reforço na fiscalização
A declaração de Lula ocorre após ele assinar, em 21 de julho, um novo decreto para regulamentação das armas de fogo que limitou o funcionamento dos clubes de tiro para o horário das 6h às 22h, e com a obrigatoriedade de serem instalados a, pelo menos, um quilômetro de escolas.
Na semana retrasada, em coletiva de imprensa, Flávio Dino também frisou que o governo vai reforçar, “e muito”, a fiscalização dos clubes de tiro, pois vários estabelecimentos são utilizados como fachada para vender ou desviar armas ao crime organizado.
Correio Braziliense