A Secretaria de Transporte e Mobilidade registra que 721 mil cartões de Vale Transporte e cartão Mobilidade são utilizados no Distrito Federal e o sistema de leitura de cartões contabiliza cerca de 1,3 milhão de acessos diariamente. Mas, sem oferecer conforto durante as viagens e agilidade nos trajetos diários, o transporte público é fator de influência na quantidade de horas dormidas pela população que depende do sistema de mobilidade urbana coletiva. Não é raro ver passageiros aproveitando a corrida para tirar um cochilo, mas especialistas alertam para a falta de qualidade nesse sono que se tenta recuperar.
“Tem dias que eu chego na rodoviária e o cobrador precisa me acordar”, revela Ângela Maria, 46, ao se referir ao percurso que faz todos os dias em direção ao seu local de trabalho. A diarista, que acorda às 5h para conseguir chegar ao trabalho às 7h20, necessita de duas conduções diárias para realizar o trajeto, com uma primeira parada na Rodoviária do Plano Piloto, onde embarca em outro veículo. A fadiga de trabalhar uma média de oito a nove horas e ainda percorrer mais de uma hora no ônibus é sentida por Ângela durante toda a semana. “Eu só durmo direito no sábado e no domingo. Durante a semana, não dá”, ela destaca.
Além das demandas de trabalho, os afazeres domésticos também impedem Ângela de dormir bem à noite. “Em casa, tenho que lavar roupa, que fazer comida. Acabo indo dormir por volta de 22h e acordo sempre às 5h da manhã”, relata. No dia a dia, a diarista diz sentir o estresse causado pelo pouco tempo de sono, e tenta remediar o cansaço no tempo livre. “Quando chega o fim de semana, eu durmo muito”, expõe.
Da mesma forma, para quem mora em cidades do Entorno e trabalha no DF, os percursos de ônibus se estendem. É o caso da moradora Águas Lindas Debora Pereira, 32, que, diariamente, leva de três a quatro horas de viagem em uma condução expressa para Brasília. Para a profissional de serviços gerais, o impacto de tanto tempo de condução afeta seu sono devido a necessidade de acordar cedo. “Dependendo do horário de trabalho, é preciso acordar muito cedo. Com os afazeres de casa, até o momento que você puder deitar para relaxar o corpo, já são quase meia noite, ou quase na hora de levantar para voltar para o trabalho”, queixa-se.
Com tantas horas dentro do ônibus, Débora está acostumada a cochilar durante os trajetos cotidianos na tentativa de manter as energias. “Não é um sono de qualidade, mas dá uma aliviada para continuar o resto do dia”, observa a passageira. E ela tem razão. Tentar compensar uma noite mal dormida é ineficaz para garantir a disposição. Para se manter descansado, é necessário não só tempo, mas também qualidade de sono. É o que atesta a presidente da Regional Centro-Oeste da Associação Brasileira do Sono (ABS), Giuliana Macedo, ao explicar que momentos curtos de repouso são um alívio momentâneo, mas não impedem a fadiga sentida por quem dorme mal. Sobre os riscos desses momentos breves de descanso, a neurologista explica: “Além de não ser suficiente para manter o descanso, a longo prazo, a privação de sono pode causar doenças cardiovasculares e neurodegenerativas”.
Rotina estafante
A enfermeira Daniela Barbosa, 25, por não ter veículo próprio, passa cerca de uma hora a uma hora e meia em viagens diárias de ônibus para atender pacientes em suas residências. Para ela, o ponto mais desgastante da rotina são os problemas de trânsito, como engarrafamentos. “A gente fica cansado, estressado e tem gente como eu que não consegue dormir no ônibus”, ela explicita. O receio de se atrasar ao horário de atendimento agendado não permite que a enfermeira se sinta tranquila o bastante para descansar.
A rotina acelerada também afeta o descanso de Barbara Rejane, que, aos 21 anos, conta fazer uso das linhas de ônibus e metrô desde a adolescência. A jovem confessa estar acostumada ao cansaço gerado pelo uso de veículos públicos. “Isso afeta meu sono, principalmente por causa do trabalho. Tem dia que só durmo quatro ou cinco horas em uma noite”, lamenta.
Trabalhando como vendedora de segunda a sábado, Bárbara sofre com sonolência ao longo do dia e aproveita as pausas no trabalho para tirar breves cochilos. Como explicado pela psicóloga clínica e especialista em saúde do sono Mônica Müller, a redução do tempo do sono compromete o trabalhador por afetar diretamente a capacidade de raciocínio lógico, a criatividade, a assimilação de informações, a atenção, entre outros fatores indispensáveis à rotina de trabalho. “Com certeza, existe essa relação de menor produtividade. Uma pessoa pode até fazer o seu trabalho, mas possivelmente em um tempo maior, ao passo que se ela tivesse um sono bem consolidado, ela teria uma eficiência muito maior para desenvolver atividades”, argumenta a especialista.
Espera de 23 minutos
Em Brasília, quem faz uso de ônibus e metrô enfrenta o percurso com maior distância média do Brasil, de 12,41km por trecho, segundo o Relatório Global sobre Transporte Público de 2022, feito pela empresa Moovit e divulgado em janeiro deste ano. A empresa também aponta que 39% das viagens em Brasília percorrem pelo menos 12km — o que o levantamento considera uma longa distância. O mesmo documento mostra que a capital federal está entre as 15 cidades com maior tempo de espera para pegar transporte público no mundo. De acordo com o documento, os brasilienses perdem cerca de 23 minutos esperando pelo transporte. É o mesmo tempo de espera de uma capital como Salvador e maior que a cidade do Rio de Janeiro (21 minutos).
O engenheiro de trânsito do Ceub Luango Ahualli corrobora com os dados da pesquisa e vai além. “Em média, o brasiliense gasta 96 minutos no transporte público, por dia. É algo ruim”, ele aponta. Para Ahualli é necessário considerar que os trajetos no DF são longos. “Tem gente que vem da Ride (Região Integrada de Desenvolvimento) para cá. Para esses lugares, esse tempo não é tão ruim, só que temos cidades mais próximas que, devido ao trânsito, também têm períodos considerados ruins”, observa. “De Planaltina para o Plano Piloto, por exemplo, demora 40 minutos, sem trânsito. Com engarrafamentos, esse trajeto passa a durar 1h30”, calcula. Ele analisa que a razão para esse tempo tão longo está nas próprias vias. “Estamos com um problema sério de congestionamentos. Nossas vias estão chegando perto da capacidade (de veículos) que elas têm”, alerta.
Segundo o engenheiro de trânsito, uma possível solução para isso está relacionada ao transporte público, o qual ele critica. “Todos somos afetados pela ineficiência do transporte público no DF. Se ele fosse um pouco melhor, no sentido de passar na hora que está marcado e ter um conforto considerável, mais pessoas topariam fazer essa troca do particular para o coletivo”, acredita. “Com isso, teríamos uma diminuição dos usuários de transporte individual e um aumento dos que usam o coletivo. Isso geraria um crescimento da receita — algo que poderia ser utilizado para melhorar o próprio transporte coletivo — e a gente teria um maior desafogamento nas vias, para todos os tipos de usuários”, prevê o especialista.
Correio Braziliense