Quem acompanhava de longe a relação entre o vigilante Paulo Roberto Moreira, 38 anos, e Izabel Guimarães, 36, não desconfiava do ciclo de violência que cercava o casal. Juntos há 16 anos, o relacionamento conturbado terminou com o assassinato da vendedora. Izabel foi morta com um tiro na cabeça disparado pelo ex-companheiro, dentro de casa, em Ceilândia. Até o fechamento desta edição, o agressor estava foragido. Hoje, familiares e amigos darão o último adeus à vítima, que será sepultada no Cemitério Campo da Esperança de Taguatinga.
O feminicídio abalou familiares, amigos e vizinhos de Izabel. Por volta das 15h30 de sábado, Paulo invadiu a casa da ex e a abordou no quarto. A mulher estava na companhia da filha, de 10 anos, fruto do relacionamento entre os dois. Mas a presença da criança não impediu que o vigilante sacasse a arma e atirasse contra a cabeça da vítima. Minutos depois de cometer o assassinato, o acusado gravou um áudio e enviou a um grupo de amigos do WhatsApp. “Ela pegou todo o meu dinheiro e ficava rindo, falando que eu ia passar vergonha. Pedi para ela desbloquear a conta. Não pensei, matei o amor da minha vida. Que merda que eu fiz”, disse.
No momento do crime, estavam na casa um cunhado de Izabel e um pedreiro contratado para trocar a fechadura do portão, que, segundo familiares da vítima, seria para impedir a entrada de Paulo na residência. À polícia, eles contaram que, após o disparo, o vigilante saiu de dentro do imóvel agitado, caminhou pela rua e buscou o carro, um Fusion preto, que estava estacionado a poucos metros. Revoltados, familiares de Izabel chegaram a ir até à casa de Paulo e prometeram vingança, mas o homem fugiu. Para amigos, o agressor disse que esperaria o término do flagrante para se apresentar à delegacia e até ameaçou tirar a própria vida.
Agressão despercebida
Damião Pedro da Silva é um dos cunhados de Izabel. Ao Correio, o homem contou que era praticamente impossível notar que houvesse algo de errado entre o casal. Segundo ele, era costume os términos e retornos constantes. “O Paulo era uma pessoa que gostava de ir para festas, raves e a Izabel se incomodava. Então, nisso, eles discutiam, mas, aparentemente, ninguém dizia que ele era uma pessoa capaz de cometer essa tragédia”, desabafou. Para vizinhos, o vigilante era tido como uma pessoa reservada e de poucas palavras. “Nunca ouvi sequer uma discussão”, disse um morador.
A pedido do Correio, a advogada Mariana Nery, especialista em direito da mulher e gênero, escreveu um artigo sobre o ciclo de violência que leva a um feminicídio. Em estágios diferentes, o homem demonstra por meio de ações ou palavras o comportamento agressivo (leia O ciclo da violência). Só este ano, cinco mulheres perderam a vida em razão do gênero no Distrito Federal (veja Vítimas).
O ciclo da violência
Tal ciclo é evidenciado por três fases, a primeira é a “Evolução da Tensão”. Nela o agressor demonstra um comportamento ameaçador, exibindo agressões verbais (ofensas, humilhações) e/ou destruição de objetos da casa. Aqui a vítima sente-se responsável pelas explosões do agressor e até procura justificativas para o comportamento violento dele (cansaço, desemprego, alcoolismo, depressão, temperamento masculino etc.).
Neste estágio, ocorrem episódios de violência psicológica, incluindo desrespeito, intimidações, abusos verbais, constrangimento público, culpabilização da mulher por não cumprir “os papéis femininos”, em um processo em que o agressor vai se mostrando cada vez mais ameaçador. A mulher, por estar amedrontada, procura acalmar o agressor e evitar discussões, chegando a se afastar da família e amigos.
A segunda fase é chamada de “Explosão”. É caracterizada por agressões físicas e verbais e apresenta comportamento descontrolado. Neste átimo, a vítima sente-se fragilizada e fica em choque, acreditando que não tem controle da situação. A fase é caracterizada por agressões veementes e acontece de forma mais rápida.
A terceira fase é denominada de “Lua de Mel”, o agressor diz que se arrepende e promete mudar. Torna-se atencioso, gentil e carinhoso. A vítima acredita na mudança e confia que a violência não se repetirá até que o casal retorna à primeira fase. Esta é a realidade de incontáveis mulheres espalhadas por todo o país, a violência doméstica não escolhe cor, raça
ou classe social.
É incontestável que o Brasil é regido pelo patriarcado, machismo e sexismo, um exemplo foi a demora na aprovação da Lei Maria da Penha. Infelizmente, ainda hoje, os números são assustadores e crescentes e as mulheres que escolhem denunciar seus agressores são revitimizadas pelo processo. A revitimização começa na delegacia e chega até o judiciário. Essas mulheres sofrem novamente, são intituladas de mentirosas e culpadas por não terem saído da relação antes. Quando não são motivo de chacota e ridículo, sendo chamadas de “mulheres de bandidos” que só fazem a denúncia para se vingar do marido que passou a noite bebendo com os amigos.
Mariana Nery, advogada especialista em direito da mulher e gênero
Vítimas
Fernanda Letícia da Silva, 27 anos
Assassinada pelo companheiro, Maxwel Lucas Rômulo Pereira de Oliveira, 32. Em 1º de janeiro, Fernanda foi à residência do namorado, em Ceilândia, e o convidou para sair. O homem não aceitou, o que gerou uma discussão e agressões físicas entre eles. O autor, que se entregou no dia seguinte, afirmou que, durante a discussão, Fernanda pegou uma faca e o atingiu no pescoço e no rosto, momento em que ele conseguiu tomar a arma, imobilizar e apertar o pescoço da vítima.
Mirian Nunes, 26 anos
Enforcada em 2 de janeiro. O crime aconteceu em Ceilândia, na frente do filho do casal, um bebê de apenas um mês. O autor foi o companheiro da vítima, André Luiz Muniz Dos Santos, 51. O casal se relacionava há cerca de um ano e tinha histórico de violência doméstica. Em novembro de 2022, Mirian procurou a Polícia Civil e o denunciou. À época, foi encaminhada à Casa Abrigo, para ficar em segurança, mas, após sair do local para dar à luz, optou por reatar o relacionamento. André foi preso quatro dias depois.
Jeane Sena da Cunha Santos, 42 anos
Recebia ameaças constantes de morte do ex-companheiro João Inácio dos Santos, 54, e solicitou medidas protetivas contra ele, em outubro passado, depois de registrar ocorrência policial. Em 17 de janeiro, foi assassinada por ele com um tiro, no Setor de Mansões do Park Way. Após o crime, o feminicida tirou a própria vida.
Giovana Camilly Evaristo Carvalho, 20 anos
Dois disparos de arma de fogo no rosto resultaram na morte de Giovana Camilly Evaristo Carvalho. O crime foi cometido pelo marido, Wellington Rodrigues Ferreira, após uma discussão do casal, na noite de 18 de janeiro, em Ceilândia. Giovana foi levada ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mas não resistiu aos ferimentos. Wellington foi encontrado pela polícia horas depois, em um estacionamento público, com sangue da vítima na roupa.
CB