Enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), segue recluso no Palácio da Alvorada, o Brasil corre o risco de paralisação de serviços básicos com a administração pública federal sem dinheiro após os sucessivos cortes nos recursos. O país deve continuar assim até 1º de janeiro, quando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subirá, pela terceira vez, a rampa do Planalto.
O ritmo lento da atual administração federal neste fim de ano traz dificuldades ao governo para manter as operações mais básicas em diversas áreas da máquina pública. É o que indicam os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e os dados colhidos pelo gabinete de transição.
O problema foi admitido pelo próprio governo quando, no último dia 22, durante entrevista a jornalistas, o secretário especial do Tesouro Nacional e Orçamento, Esteves Colnago, apresentou mais um bloqueio de R$ 5,7 bilhões ao Orçamento deste ano. Considerando os cortes anteriores, em 2022, o governo já passou a tesoura em R$ 15,4 bilhões de recursos previstos para as mais diversas áreas do governo.
Para a economista Juliana Damasceno, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, “o risco de paralisação da máquina pública sobe a cada bloqueio de recursos. E vale lembrar que, sem corte em outras despesas, a chance de desbloqueio é nula, porque a trava do teto continuará existindo”. Para ela, a aprovação da PEC da Transição reduziria esse risco, já que abriria um espaço fiscal de pouco mais de R$ 200 bilhões. A especialista demonstra preocupação, contudo, quanto a clara definição desses gastos turbinados pelo novo espaço fiscal.
Essa bomba-relógio está marcada para explodir no colo do próximo presidente. Enquanto isso, a equipe de Lula corre para aprovar medidas, como a PEC, que possam garantir recursos, não só para cumprir as promessas de campanha, mas tirar o governo federal dessa letargia que se acentua nos momentos finais do governo Bolsonaro.
Há setores fundamentais ameaçados, como a Operação Carro-Pipa, realizada pelo Exército sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que pode impactar na falta de água potável para até 1,6 milhão de pessoas que vivem em regiões semiáridas de Minas Gerais e do Nordeste. O governo emitiu uma portaria que libera um crédito suplementar de R$ 21,4 milhões para a retomada, ainda nesta semana, do programa.
Insuficiente
Na segurança pública, o alerta veio com a suspensão da emissão de passaportes pela Polícia Federal em 19 de novembro. A mesma portaria liberou R$ 37 milhões para a retomada, mas a avaliação é de que são necessários R$ 74 milhões até o fim de dezembro para manter o serviço. Na Polícia Rodoviária Federal (PRF), os cortes já prejudicam o abastecimento e a manutenção das viaturas e podem colocar em risco a operação “RodoVida”, que envolve ações nas estradas durante as festas de fim de ano e no carnaval.
Outra atividade ameaçada é o patrulhamento das fronteiras, em especial na região amazônica, além da segurança durante a posse presidencial, apontou o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), coordenador do grupo técnico (GT) de segurança do gabinete de transição.
O grupo que se encontrou com o presidente em exercício do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, recebeu da Corte de Contas relatórios onde observa-se que, em 2023, o orçamento para manutenção de serviços públicos na segurança pública tem um deficit de R$ 600 milhões. A dotação prevista de R$ 1,2 bilhão é insuficiente para a manutenção dos serviços atuais, orçados em R$ 1,8 bilhão ao ano.
“Estamos demonstrando numericamente, com dados oficiais, que, ao prevalecer o contingenciamento, teremos um cenário preocupante”, declarou Dino. “Das 214 ações do Plano Nacional de Segurança Pública, 109 estão paradas. Portanto, a Lei não está sendo cumprida”, acrescentou.
Saúde
Outra área de preocupação é a Saúde, onde o TCU apontou um apagão de dados sobre vacinas no país. “A auditoria mostrou não ser possível avaliar o cumprimento das metas de imunização, uma vez que não existem indicadores para cada grupo prioritário e faixa etária que indiquem cobertura vacinal”, disse o órgão, que também indicou a insustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) com base nos gastos públicos com o setor.
“Nós tentamos encontrar informações que pudessem nos indicar o tamanho do problema, qual seria sua dimensão, suas características em cada uma das diferentes regiões de saúde do país. Inacreditavelmente, não existe no Ministério da Saúde nenhuma informação que possa apontar qual é o tamanho do deficit, do maior problema de saúde vivido pela população brasileira”, disse o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, integrante da transição.
O orçamento da pasta foi detalhado pela transição na última sexta-feira, e apontou que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso traz reduções de até 59% nos programas de saúde pública. Com os maiores cortes na Saúde Indígena e na Farmácia Popular, e em programas para formar profissionais como o Médicos pelo Brasil (anteriormente, Mais Médicos), estas inciativas serão paralisadas em 2023 por falta de recursos se nada for alterado na PLOA.
Folga fiscal
Instituição que corre risco de colapso imediato, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) opera com um deficit de profissionais de 30%. E o risco de desabastecimento de medicamentos é imediato. Para o ano que vem, apenas na área da saúde, a fim de manter os serviços essenciais, o novo governo precisará encontrar uma folga fiscal adicional de R$ 22,7 bilhões no orçamento do próximo ano.
CB