Passada a ressaca da apuração do primeiro turno, com sentimentos opostos nas torcidas dos dois candidatos que praticamente monopolizaram corações e mentes do eleitorado, as equipes de campanha já começam a traçar as estratégias para o confronto final entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL). Mais do que paixões, é a matemática fria que servirá de base para a última perna da corrida ao Planalto. Lula larga na frente, com uma vantagem bem menor do que os institutos de pesquisa apontavam. Mas a missão do chefe do Executivo é mais difícil: virar um jogo em que há muito poucos eleitores ainda disponíveis a ouvir o que os concorrentes têm a dizer.
Na racionalidade das planilhas, a situação é a seguinte: Lula venceu o primeiro turno com 57,2 milhões de votos, contra 51 milhões de Bolsonaro (48,4% a 43,2%). Isso dá 91,6% dos votos válidos. Essa é a base de largada de cada um.
Anularam o voto 3,4 milhões de eleitores (2,8%), enquanto 1,9 milhão (1,6%) votaram em branco. Os eleitores que furaram a polarização votando em outros candidatos — principalmente em Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) — somaram 9,9 milhões. No total, cerca de 15 milhões de pessoas estão, em tese, “disponíveis” para o flerte dos dois finalistas — pouco mais de 12% do eleitorado que compareceu às urnas no domingo.
Estão aí os números que nortearão os dois candidatos, partindo do pressuposto de que nenhum deles perderá votos de forma significativa ao longo deste mês. As pesquisas mostraram que cerca de 90% do eleitorado já havia se decidido a votar em um ou outro e não admitia mudar de opinião.
“Mais difícil, para qualquer eleitor, é digitar o número no primeiro turno e apertar a tecla ‘confirma’. Feito isso, é muito fácil repetir o voto no segundo turno. As pessoas sempre trazem o exemplo de 2006, quando Geraldo Alckmin (na época, no PSDB) teve mais votos no primeiro do que no segundo turno (na disputa contra Lula), mas isso é raríssimo, é exceção. Dificilmente (Lula e Bolsonaro) terão menos votos do que tiveram no primeiro turno”, avalia o doutor em ciência política Alberto Carlos de Almeida, autor do livro A cabeça do eleitor e coautor de A mão e a luva: o que elege um presidente (com Tiago Garrido).
Tiro curto
Nesse cenário de cristalização da vontade do eleitor, Lula não só larga na frente como tem um caminho bem mais curto para percorrer. O ex-presidente precisa de menos de 2 milhões de votos (1,5%) para atingir a marca de 50% mais 1 que lhe garanta a vitória. A missão de Bolsonaro para se manter no cargo é mais complicada. Para atingir a maioria absoluta, precisa seduzir cerca de oito milhões de eleitores. Para efeito de comparação, a cada voto conquistado por Lula neste segundo turno, Bolsonaro precisaria cooptar quatro, em um quadro de pouca disponibilidade de oferta.
Almeida não tem dúvida de que os votos que decidirão a corrida ao Planalto vão sair do eleitorado de Ciro Gomes e de Simone Tebet. “Os votos de Ciro no Nordeste, por exemplo, caminham mais para Lula, que pode não ser o franco favorito que era na semana passada, mas permanece sendo favorito”, destaca.
O cientista político ainda levanta uma tese: a de que o voto útil já tenha sido dado no primeiro turno em favor de Bolsonaro, como indicam os números expressivos que o presidente obteve no domingo. “As pessoas que deixaram de votar em Simone e Ciro no primeiro turno foram para Bolsonaro, e as que restaram seriam votos de Lula no segundo turno. É uma hipótese razoável, que precisamos conferir nas próximas pesquisas.”
Outro desafio das campanhas será atrair o eleitor que não votou no primeiro turno — a abstenção atingiu quase 21%. Isso significa que um em cada cinco eleitores aptos não compareceu à sua respectiva seção eleitoral. Historicamente, a taxa de abstenção que o país costuma registrar nas eleições majoritárias sempre ficou acima de 16,6% (piso registrado em 2006). Nas duas últimas eleições ficou em 19,4%, em 2014, e 20,3%, em 2018, um patamar que os analistas acreditam que vai se repetir em 30 de outubro.
CB