Sem gerar energia, usinas emergenciais já somam mais de R$ 400 milhões em multas

Foram 17 usinas vencedoras em um leilão realizado no fim do ano passado com o objetivo de afastar os riscos de apagão neste ano

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As usinas de energia contratadas pelo governo de forma emergencial em 2021 acumulam R$ 413 milhões em multas por não cumprir partes dos contratos e atrasar a entrega da energia prevista.

Foram 17 usinas vencedoras em um leilão realizado no fim do ano passado com o objetivo de afastar os riscos de apagão neste ano e preservar os reservatórios das hidrelétricas do País nos meses de seca. As empresas tinham de começar a entregar energia em 1.º de maio, mas 98% da carga adquirida ainda não foi acionada – só uma dessas usinas está em operação neste momento. Paralelamente, os riscos de apagão diminuíram, e os lagos das hidrelétricas estão cheios, o que torna a operação menos necessária.

O Estadão fez o levantamento das punições junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), instituição que atua como o gestor financeiro do setor. O órgão confirmou o valor das multas e a informação de que todas as usinas foram alvo das autuações, já que não estavam funcionando na data determinada. Como as multas aplicadas em junho se referem apenas ao descumprimento do prazo confirmado no mês anterior, o valor das punições continuará a crescer, devido aos atrasos que prosseguem até o momento.

No setor elétrico, é grande a pressão para que o governo cancele os contratos. Pelas regras do leilão, isso pode ser feito se as usinas não estiverem ligadas até dia 1.º de agosto. O Tribunal de Contas da União (TCU) já procurou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), questionando sobre a alternativa do rompimento, mesmo que isso enseje indenização, por conta do alto custo da energia contratada.

Preço
No leilão, o governo assinou contrato com 17 usinas, das quais 14 movidas a gás, duas a painéis solares e uma a biomassa. O preço médio de R$ 1.563 pelo megawatt-hora firmado é mais de sete vezes o que tem sido contratado em outros leilões. Quem pagará essa conta é o consumidor de todo o País, por meio da conta de luz.

Além de exigir geração ininterrupta, com operação em 100% do tempo a partir do momento em que estiveram ligadas, o governo estipulou que as usinas terão de operar até dezembro de 2025. Está previsto o pagamento de R$ 11,7 bilhões por ano para essas empresas. Só em 2022, o impacto na conta de luz deve ser de 3,3%.

“É preciso cumprir os contratos, inclusive na determinação de distrato (anulação do acordo) das usinas que não entrarem em operação até 1.º de agosto”, afirmou o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa.

Já o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou para o TCU uma representação contra o leilão.

Diretor da Aneel, Efrain Pereira da Cruz afirmou que a contratação foi feita “sob condições excepcionais”, porque se tratava de uma situação emergencial. “Ocorre que a medida excepcional, e à época necessária, resultou em um impacto financeiro demasiado alto.”

Justificativas para atraso vão de guerra à covid-19
O Estadão teve acesso às explicações de algumas empresas enviadas à Aneel. A Rovema Energia, por exemplo, que venceu o leilão com projeto de uma usina a gás em Santa Catarina (Energias de Gaspar) e outras duas plantas solares em Rondônia (Buritis e Machadinho), recorreu às consequências da guerra.

Em documento classificado como “sigiloso”, a empresa afirma que, “em decorrência do cenário geopolítico e macroeconômico envolvendo conflito bélico-militar entre Ucrânia e Rússia” iniciado fevereiro, “e suas consequências ao mercado mundial de gás natural”, não conseguiu levar adiante um acordo que tinha com a companhia NFE Power Latam, que venderia o gás, a partir da construção de um terminal do insumo em São Francisco do Sul (SC). A Rovema sustenta que a NFE é “a única fornecedora de gás natural que reúne condições técnicas e comerciais para suprimento de combustível ao empreendimento”.

Já a empresa Tevisa, dona de três usinas (Viana 1, Povoação 1 e LORM), declarou que seu cronograma de implantação “sofreu impactos causados por eventos extraordinários como: o aparecimento da variante Ômicron, que fez explodir o número de casos positivos para covid-19 em janeiro; as chuvas intensas e fora da média ocorridas em janeiro e fevereiro; a guerra da Ucrânia, que mudou o cenário do frete marítimo internacional; e a greve dos caminhoneiros que operam no porto de Vitória, que impediu por dias o transporte dos equipamentos”.

A companhia afirmou que tem discutido o tema com a Aneel, mas que já honrou o pagamento de suas multas.

Infraestrutura
A Mercurio Partners, dona da usina Paulínia, declarou que sua planta não atrasou e que estava pronta para funcionar em 1.º de maio, mas que isso não foi possível por problemas causados pela infraestrutura de distribuição de terceiros. “A usina estava disponível para gerar, cumpriu a sua parte, os outros têm de cumprir a sua parte também”, disse Eduardo Miranda, diretor da Mercurio Partners, que pediu também o cancelamento das punições.

A companhia Tradener, proprietária da usina Barra Bonita, disse que recebeu uma penalidade por atraso no valor de R$ 2,5 milhões. “No que dependeu de nós, não houve atraso, construímos a usina em 45 dias, um recorde para este tipo de obra. Enfrentamos, porém, atraso em questões prévias e interdependentes, como o licenciamento ambiental e a liberação aduaneira de equipamentos, por operação padrão da Receita Federal”, afirmou.

A empresa turca Karpowership, que pretende iniciar a operação de quatro navios-usina no litoral do Rio de Janeiro (Karkey 13, Karkey 19, Porsud I e Porsud II), disse que “trabalha de forma integrada com as autoridades a fim de que o cronograma de ações seja revisado e atualizado, bem como os respectivos impactos causados por diferentes fatores externos, como o proporcionado pela covid-19, com fechamento de portos pelo mundo”.

Outra situação em aberto é a da empresa Âmbar, dona de quatro usinas vencedoras do leilão (Edlux X, EPP II, EPP IV e Rio de Janeiro I). No mês passado, a empresa pediu que essas usinas sejam substituídas por outro projeto seu, que já está pronto e em atividade, a usina Mario Covas, em Cuiabá. Ocorre que, pelas regras do leilão, todos os projetos deveriam ser novos.

A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) reagiu contra a proposta. Na semana passada, enviou carta à Aneel para declarar que “é importante que as diretrizes e regras definidas anteriormente ao leilão sejam seguidas, sem proposições de benefícios irreais aos consumidores”.

Segundo a Abrace, uma eventual decisão favorável à Âmbar seria “algo desastroso aos consumidores e acarretaria diversos prejuízos aos usuários, incluindo a necessidade de suportar ao longo de 44 meses um custo superior a R$ 20 bilhões pela entrega de uma energia com custo seis vezes superior ao valor médio da energia paga pelos consumidores cativos do Brasil, e que, claramente, se tornou desnecessária para atendimento aos requisitos de segurança do setor elétrico.”

A empresa nega as afirmações. Por meio de nota, a Âmbar declarou que suas usinas estão “em fase final” e estarão aptas a gerar energia até 1 de agosto. “Independentemente do prazo e das obras, a Âmbar propôs à Aneel que a energia contratada seja entregue pela UTE Cuiabá, a um custo mais baixo. A aceitação dessa proposta resultará em uma economia de no mínimo R$ 900 milhões para os consumidores, podendo chegar a R$ 8 bilhões, e em uma redução de até 15 vezes na emissão de gases do efeito estufa em relação às quatro usinas que estão sendo concluídas”. O caso está em análise pela Aneel.

A Abrace critica ainda o fato de que diversos documentos enviados à agência estão classificados como sigilosos, o que impede a análise por parte dos consumidores. “Solicitamos assim, que seja dada a devida transparência a toda a documentação, de forma a permitir que os consumidores se manifestem a respeito do pleito previamente à decisão a ser adotada pela agência.”

Entenda o problema em que se transformou o leilão emergencial
O que o governo contratou em outubro de 2021?
17 usinas, sendo 14 movidas a gás, duas a painéis solares e uma a biomassa

Quando deveriam entrar em operação?
1.º de maio de 2022.

Qual era o objetivo dessas contratações?
Gerar energia nos meses de seca e preservar os reservatórios das hidrelétricas

O que aconteceu?
As usinas não foram acionadas, alegando uma série de dificuldades de todo tipo

Como o setor elétrico reagiu
Passou a multar as usinas, que já acumulam mais de R$ 413 milhões em autuações.

Essas usinas ainda são necessárias?
Como houve muita chuva, os reservatórios estão cheios e elas não são mais necessárias

O governo pode cancelar os contratos?
O governo pode cancelar unilateralmente os contratos, caso as usinas não estejam em operação até o dia 1 de agosto

Essas usinas são caras?
Muito. O governo concordou em pagar um preço médio de R$ 1.563 pelo Megawatt-hora dessas usinas, mais de sete vezes o valor médio contratado em outros leilões

Até quando elas devem ficar ligadas?
O contrato prevê que essas usinas fiquem 100% do tempo ligadas, e até dezembro de 2025

Quem paga essa conta?
Todos os consumidores do País. Está previsto o pagamento de R$ 11,7 bilhões por ano para essas empresas. Só em 2022, o impacto na conta de luz deve ser de 3,3%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estadão Conteúdo

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