Consumo de bens no Brasil ainda está abaixo do nível pré-pandemia

As informações têm como base os dados desagregados do Monitor do PIB (Produto Interno Bruto) da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Foto: Agência Brasil

Em meio às pressões inflacionárias, salários mais baixos, desemprego ainda elevado e crédito mais caro, as famílias reduziram o consumo de bens, que está em patamar inferior ao pré-pandemia. Por outro lado, o consumo de serviços retornou ao nível pré-crise sanitária, puxado principalmente pelas famílias mais ricas. As informações têm como base os dados desagregados do Monitor do PIB (Produto Interno Bruto) da Fundação Getulio Vargas (FGV), obtidos pelo Estadão/Broadcast.

“A inflação elevada está corroendo o poder de compra das famílias”, apontou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV. “As pessoas estão reduzindo suas compras de bens não duráveis, semiduráveis e até de bens duráveis.”

O comerciante ambulante José Luiz Simões Alves, de 54 anos, está faturando 50% menos em sua barraca de doces, no centro do Rio de Janeiro. O movimento de clientes diminuiu, as vendas caíram, reduzindo também a renda que consegue levar para casa.

“Acho que não volta mais ao que era antigamente. Antes mesmo dessa doença já não estava muito bom. Agora caiu pela metade o que faturo por dia”, relatou Alves.

Com o corte na renda, o ambulante também precisou recalibrar seus gastos, dando preferência ao pagamento das contas de consumo, como luz, internet e telefone em detrimento à aquisição de produtos. O desejo de trocar de aparelho celular não tem data para se concretizar.”Sem previsão. Tive de fazer uns sacrifícios”, contou Alves.

O Monitor do PIB-FGV antecipa a tendência para a atividade econômica brasileira a partir das mesmas fontes de dados e metodologia empregadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo cálculo oficial das Contas Nacionais. Considerando a série histórica com ajuste sazonal, ou seja, que desconta os efeitos característicos de determinadas épocas do ano sobre o comportamento do consumidor, o consumo de bens semiduráveis em janeiro de 2022 ficou 12,14% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, no pré-pandemia.

O consumo de produtos duráveis — que é também dependente do crédito, afetado pelas altas nas taxas de juros — está 10,28% abaixo do pré-covid. Já a aquisição de bens não duráveis, que inclui itens essenciais como alimentos e remédios, está 3,04% abaixo do pré-pandemia.

Desemprego e renda menor
“O desemprego e a informalidade afetam mais as pessoas de mais baixa renda. Essa crise é muito desumana, no sentido de que afeta mais quem é de baixa renda. Quem perdeu o emprego ficou desempregado. Quem estava atuando na informalidade ficou sem poder trabalhar (na pandemia)”, justificou o pesquisador do Ibre/FGV.

Por outro lado, o consumo de serviços em janeiro ficou 0,10% acima do pré-crise sanitária, a despeito do avanço no mês no número de contaminações pela variante Ômicron do novo coronavírus. Segundo Claudio Considera, havia uma demanda reprimida por serviços entre as famílias de renda mais elevada, que conseguiram fazer uma poupança ao longo da crise sanitária.

“As pessoas (de renda mais elevada) ficaram com menos medo da pandemia. Viajaram e foram para hotéis, restaurantes. Janeiro foi um mês de férias, e neste ano essas pessoas decidiram tirar férias”, opinou Considera.

É o caso da coordenadora de produto Alícia Batista, de 43 anos, moradora do Rio de Janeiro, que viajou para oito dias de férias na Bahia com o marido e o filho em janeiro, após dois anos de isolamento social. O avanço da imunização da população contra a covid-19 impulsionou a confiança da família para encarar as horas de voo e a hospedagem em hotel.

“A vacinação foi determinante para as nossas férias de janeiro. Até porque a gente comprou as passagens com alguma antecedência, então a gente não tinha certeza do cenário epidemiológico, mas a gente sabia que estaria já com as duas doses, estava mais seguro”, disse Alícia. “Foi a primeira vez que a gente pegou avião em dois anos.”

Perda de fôlego
Na média, o Consumo das Famílias recuou 1,3% em janeiro ante dezembro, ficando 2,86% abaixo do nível pré-covid, apontou o Monitor do PIB – FGV. O consumo de serviços (que agora impulsiona a média global do consumo das famílias) demorou mais a se recuperar, por conta das restrições ao funcionamento de estabelecimentos e demais medidas sanitárias necessárias para conter a disseminação do vírus.

Já o consumo de bens chegou a superar os patamares anteriores à pandemia, especialmente nas categorias de duráveis e de não duráveis, impulsionados por fatores como o pagamento do Auxílio Emergencial pelo governo, o isolamento social e o crescimento do trabalho remoto. Esse consumo perdeu fôlego diante de uma conjuntura atualmente mais desfavorável à aquisição de bens.

A inflação acumulada nos 12 meses encerrados em janeiro foi de 10,38%, subindo a 10,54% em fevereiro e 11,30% em março, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo IBGE e usado como parâmetro para o sistema de metas de inflação seguido pelo Banco Central. A população desempregada somava pouco mais de 12 milhões de pessoas no País no trimestre terminado em janeiro, praticamente o mesmo contingente do trimestre encerrado em fevereiro, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), também do IBGE. A renda média real de quem permanecia trabalhando era de R$ 2.511 no trimestre até fevereiro, 8,8% menor que um ano antes.

O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, acredita que a melhora da pandemia permitirá a manutenção da recuperação do consumo de serviços pelas famílias brasileiras, mas não vê nesse movimento uma força que seja suficiente para turbinar o desempenho do PIB.

“A gente não está tão otimista, porque há outros impactos que afetam o Consumo das Famílias este ano, principalmente a renda. A gente está com um mercado de trabalho com desemprego em queda, mas em patamar ainda elevado. Isso gera menos fôlego para que a gente tenha aumentos salariais. Esse é o primeiro fator. O segundo fator é que a gente está vendo de novo este ano uma inflação vindo mais forte do que se projetava no início do ano. Isso tende a afetar renda. Terceiro fator é que a gente está vendo o Banco Central trazendo a taxa de juros para uma trajetória mais contracionista (da atividade econômica)”, disse Salles.

Taxa de juros
A trajetória de elevação na taxa básica de juros, a Selic, pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central tem potencial para manter a demanda de bens duráveis desaquecida nos próximos meses, avaliou Leonardo Mello de Carvalho, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A Selic está atualmente em 11,75% ao ano, ante um patamar de 2,75% um ano atrás. No último Boletim Focus, divulgado pelo BC na semana passada, economistas do mercado financeiro estimavam novas rodadas de altas, para o patamar de 13,00% ao ano ao fim de 2022.

“A gente tem que mapear quais setores responderão mais a esse aperto monetário. São setores em que o consumo depende mais de crédito, uma boa parte de bens duráveis: automóveis, eletroeletrônicos, móveis. Esses bens têm historicamente mais possibilidade de serem afetados”, apontou Carvalho.

Na direção oposta, a demanda por bens de consumo semiduráveis e não duráveis, como artigos de vestuário e alimentos, tem potencial de aumentar, devido a medidas de governo como o pagamento do Auxílio Brasil a famílias de baixa renda, opina o técnico do Ipea. “Então você tem impulsos e restrições atingindo segmentos diferentes do Consumo das Famílias”, disse Carvalho.

A Pesquisa Mensal de Comércio, do IBGE, mostrou que o comércio varejista vendeu 1,9% menos em janeiro de 2022 em relação a janeiro de 2021. Se considerado o varejo ampliado, que inclui as atividades de veículos e material de construção, o volume vendido encolheu 1,5%.

O Ipea prevê que o Consumo das famílias cresça 1,1% em 2022, contribuindo para uma elevação estimada de 1,1% no PIB brasileiro no período. Para 2023, a projeção do instituto é de alta de 1,4% no Consumo das Famílias e expansão de 1,4% no PIB.

Em 2021, o Consumo das Famílias respondeu por 61,0% de todo o PIB brasileiro, sob a ótica da demanda, divulgou o IBGE no início de março. Em 2019, antes do choque provocado pela pandemia de covid-19, essa participação era de 65,1%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estadão Conteúdo

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