“Daqui para a frente, você não pode mais ser tratado de ex-governador, eu não posso ser tratado de ex-presidente. Você me chama de companheiro Lula, eu te chamo de companheiro Alckmin.” Foi dessa forma que o virtual pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, deu as boas-vindas ao seu provável colega de chapa.
A indicação formal de Geraldo Alckmin pelo PSB para compor com Lula a candidatura presidencial, ontem, em um hotel de São Paulo, foi mais um ato no sentido de consolidar a aliança entre os dois, ainda vista com desconfiança por alas petistas. Para mostrar que não pretende negociar o nome de seu companheiro de chapa, Lula convidou as principais lideranças dos dois partidos para o evento.
Ainda não foi o anúncio oficial da coligação PT-PSB, mas, na prática, a aliança está sacramentada. O Diretório Nacional do PT deve reunir-se no dia 13 para oficializar a indicação dos dois nomes, que serão levados à aprovação do partido em um encontro nacional marcado para o início de junho. Antes, em 30 de abril, os dois devem participar de um ato público para anunciar a união e, em 1º de maio, há a expectativa de que Alckmin estreie em um palanque tradicionalmente petista nas comemorações do Dia do Trabalho.
“Vou me dedicar de corpo e alma para que esta aliança seja definitiva. Vamos percorrer este país de Roraima ao Chuí”, disse Lula, dando o tom de pré-campanha.
Mais contido, Alckmin falou antes do ex-presidente. Mas bateu na tecla de que a situação política e econômica do país é bastante complicada. “Aqui foi bem explicitado o momento grave que nós estamos vivendo. Não é hora de egoísmo, é hora de generosidade, grandeza política, desprendimento e união. Política não é uma arte solitária. A força da política é centrípeta, e nós vamos somar esforços para a reconstrução do nosso país”, declarou o ex-tucano.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR), foi a mestre de cerimônia do evento, montado para que seu homólogo do PSB, Carlos Siqueira, pudesse entregar formalmente a carta com a indicação do nome para a vice-presidência. No documento, o PSB manda alguns recados, como a intenção da legenda de participar da montagem do programa de governo da coligação.
“A composição de uma frente ampla exige a formulação de um programa que corresponda às perspectivas das forças que a compõem, tanto em termos político-partidários quanto no que se refere aos segmentos da sociedade civil que tal frente pretende representar”, destaca Siqueira na carta, que descreve Alckmin como um político de vida pública “longeva e honrada”, “perseverante” na defesa da democracia e que prega o equilíbrio no “diálogo entre diferentes”.
Caciques das duas legendas reforçaram a imagem de união. Do PSB estavam o governador de Pernambuco, Paulo Câmara; o prefeito do Recife, João Campos; e o pré-candidato ao governo de São Paulo Márcio França. Do lado petista estavam o senador Paulo Rocha (PA) e deputados como Paulo Teixeira (SP), Reginaldo Lopes (MG) e José Guimarães (CE).
Toda a fala de Lula, ontem, foi no sentido de prestigiar o novo aliado — que já foi, pelo PSDB, um dos principais adversários do PT em São Paulo. “Ninguém tem mais experiência de ser vice como Alckmin. Ele foi vice do (governador de São Paulo) Mário Covas — e o Mário Covas era um governador turrão. Alckmin aprendeu a ser vice do Covas, durante seis anos, e foi governador. Vocês sabem que é isso que precisamos para consertar o Brasil: a experiência do Alckmin, a minha experiência, e o compromisso que vamos assumir”, discursou o ex-presidente.
Para a deputada Benedita Silva (PT-RJ), Alckmin é uma “sinalização para os setores que pensam que o PT é radical, que não vai dialogar”. Ela acredita que o neossocialista terá um papel importante nas articulações políticas. “Nós sabemos que essas eleições vão ser duras, que não estão ganhas e que depende de muita luta que teremos pela frente”, frisou. “O papel do Alckmin, o papel de um vice é também participar das articulações políticas, é um papel muito importante. Como o José Alencar quando o Lula foi presidente”, comparou a deputada.
Bíblia e Constituição
Em um determinado momento do discurso, Lula citou a Bíblia, referência incomum em seus discursos. Depois de ser criticado até dentro do próprio PT, nesta semana, por ter feito declarações sobre aborto, um tema caro ao segmento evangélico e ao próprio Alckmin, o ex-presidente declarou que a defesa dos direitos dos mais necessitados está expressa na Constituição e no livro sagrado. “É só pegar a Constituição, pegar a Bíblia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ali está tudo escrito o que o povo tem direito e que a gente não consegue cumprir”, destacou.
Os elogios de Lula a Alckmin foram intercalados de críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL). “Eu não imaginava que, em tão pouco tempo, pudessem ser destruídas coisas que levamos tanto tempo para construir”, disse Lula.
Ele botou na conta do atual governo o número de mortos na pandemia, chamou Bolsonaro de “genocida”, citou as denúncias de corrupção na compra de vacinas, e ainda incluiu nas críticas a alta taxa de inflação de março, divulgada ontem, que atingiu o maior patamar para o mês desde o início do Plano Real (leia reportagem na página 6).
“É a maior inflação dos últimos 28 anos. E parte dessa inflação deve ser debitada nas costas de quem governa este país, porque uma parte da inflação é energia, é energia elétrica, óleo diesel, gás, gasolina. A outra é o alimento”, acusou o ex-presidente.
Missão de quebrar resistência na militância
Se depender dos políticos que integram PT e PSB, a chapa Lula-Alckmin já está consolidada. “Para o PSB, sempre é bom disputar eleição majoritária, tinha tempo que a gente não fazia isso depois do (governador de Pernambuco) Eduardo Campos (morto em acidente aéreo durante a campanha presidencial de 2014). É um quadro de excelência, respeitado, vai trazer equilíbrio”, elogiou o deputado Paulo Folleto (PSB-ES).
Mesmo entre a ala mais à esquerda do PSB, o nome do ex-tucano já está absorvido. Para o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), Alckmin será protagonista na articulação com o centro, em nome do objetivo maior, que é impedir a reeleição de Bolsonaro.
“Alckmin, como político habilidoso, governou por quatro vezes o maior estado do Brasil, ele tem de ter papel ativo no programa (de governo) e na articulação política, para ampliar a base de sustentação puxando para o centro”, frisou. “Normalmente, nós, a parte mais à esquerda do PSB, a última coisa que iríamos querer é um candidato que nem o Alckmin, mas o que estamos discutindo é a existência da democracia. Vamos ter, sim, de ceder nos nossos pontos fundamentais. O centro de Alckmin é o centro político, não o Centrão”, acrescentou.
Estratégica
No PT, a tarefa das lideranças políticas é quebrar resistências da militância ao nome de Alckmin antes que a chapa ganhe as ruas. O argumento é o mesmo: repetir o bordão de que, do ponto de vista da defesa da democracia, o mais importante é tirar o atual ocupante do Palácio do Planalto. Para isso, a aliança com o ex-governador de São Paulo é considerada estratégica e está acima de preferências ideológicas.
“Essa escolha consolida uma chapa muito forte e representativa do que nós queremos, que é convidar o Brasil para repactuar a democracia brasileira e fazer uma ampla frente para derrotar o bolsonarismo”, destacou o deputado Henrique Fontana (PT-RS). “Ele vai ter um papel importante, como teve José de Alencar. A escolha dele mostra a vontade de dialogar com setores que não estiveram conosco nas últimas eleições.”
CB