O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, xingou um repórter da Fox News em um evento nesta segunda-feira (24). O microfone no púlpito do democrata estava funcionando, aparentemente sem ele se dar conta, e o momento foi captado pelas câmeras de TV.
No momento em que os profissionais de imprensa deixavam o salão Leste antes de uma reunião de um conselho de governo, Biden disse que falaria com eles mais tarde. Peter Doocy, dedicado à cobertura da Casa Branca na emissora de viés conservador, foi um dos que continuaram a fazer perguntas.
“O senhor pode responder a perguntas sobre inflação, então? O senhor acha que a inflação é um risco para as midterms [eleições legislativas de meio de mandato, a serem realizadas em novembro]?”, questionou.
Biden então olha para o lado e diz, de forma sarcástica, com um leve sorriso: “Seria um grande ativo. Mais inflação”. Depois, completa: “Que filho da puta estúpido”. Não fica claro com quem ele estava falando. A transcrição oficial da entrevista disponibilizada pela Casa Branca incluiu as declarações, sem filtro.
A inflação tem sido uma das maiores dores de cabeça para Biden, que na semana passada completou seu primeiro ano no cargo. O índice disparou em dezembro e fechou 2021 em 7% ao ano, percentual que não era visto desde os anos 1980 nos EUA -país em que os eleitores costumam ser impiedosos com mandatários acossados por esse obstáculo na economia.
O momento é ainda especialmente delicado para Biden porque uma piora nos números da pandemia -ligada à disseminação da variante ômicron e às taxas empacadas de vacinação- também se fez refletir na economia. Em meio a cenas de hospitais cheios e prateleiras de mercado vazias, sua aprovação estagnou em torno de 43% -ao tomar posse, era de 55%.
Analistas avaliam que as dificuldades podem prejudicar o desempenho de candidatos democratas na eleição de novembro, ameaçando a hoje frágil maioria pró-Biden nas duas Casas do Congresso.
Procurados pela agência de notícias Reuters para comentar a cena, nem a Casa Branca nem a Fox News se manifestaram inicialmente. Doocy depois afirmou na emissora que o presidente o telefonou cerca de uma hora após a divulgação do vídeo e disse: “Não é nada pessoal, parceiro”.
O momento de destempero chama especialmente a atenção porque Biden assumiu a Presidência com promessas de interromper um ciclo de falta de civilidade na administração federal. “Se você for trabalhar comigo e eu ouvir você tratando um colega com desrespeito ou xingando alguém, prometo que vou demiti-lo na hora. Sem ‘se’ ou ‘mas’. Todo mundo deve ser tratado com decência e dignidade”, disse a auxiliares em uma cerimônia virtual, como lembrou a Reuters.
O antecessor do democrata, Donald Trump, ficou célebre por atacar repórteres em entrevistas coletivas e eventos com apoiadores -para ele, o jornalismo profissional crítico era “inimigo do povo”. O republicano chamou um âncora da CNN de “pessoa terrível e rude”, outro da ABC de “desgraça” e, em um comício, ridicularizou a deficiência física de um jornalista.
Esta não foi a primeira vez, porém, que Biden perdeu a paciência com um jornalista. Em junho de 2021, ele parou para pedir perdão à repórter da CNN Kaitlan Collins na frente de outros profissionais de imprensa. “Eu não deveria ter bancado o ‘sabe-tudo’ na última resposta que dei”, afirmou. “Devo desculpas [a você].”
Ele não deixou, por outro lado, de provocar: “Parece-me que para ser um bom repórter você tem que ser negativo, tem que ter uma visão negativa da vida”. Horas antes, ela havia questionado por que o presidente confiava em uma mudança de postura de Vladimir Putin após uma reunião entre os dois.
“Não estou confiante que ele vai mudar. Onde diabos… O que você faz toda hora? Quando eu disse que estava confiante?”, respondeu Biden. Ao retrucar, argumentando com ações do presidente russo que foram alvo de críticas, Collins ouviu: “Se você não entende isso, está no trabalho errado”. Depois do pedido de desculpas, a repórter disse que ele era desnecessário, mas que agradecia o gesto.
Doocy é um repórter experiente na cobertura da Casa Branca e em geral é chamado pelo presidente para fazer perguntas, na maioria das vezes incômodas para a administração do democrata. O jornal The New York Times destacou que certa troca de farpas entre os dois se tornou uma espécie de tradição em entrevistas nas quais o jornalista está presente.
Recentemente, outra participação do jornalista em uma entrevista se destacou, desta vez com a secretária de Imprensa de Biden, Jen Psaki. Ao responder a uma série de perguntas sobre a capacidade de realizar testes de detecção da Covid dos EUA e as vacinas contra a doença, a porta-voz de Biden foi bastante didática ao dar uma espécie de aula sobre a importância da imunização.
“Eu entendo que a ciência diz que as vacinas previnem contra a morte [por coronavírus]. Mas eu tomei três doses e ainda assim peguei Covid. Você [Psaki] tomou três doses e ainda assim pegou Covid. Por que o presidente ainda está se referindo a isso como uma ‘pandemia dos não vacinados’?”, questionou Doocy, em referência à linguagem que vem sendo usada por Biden ao discorrer sobre a crise sanitária.
Psaki respondeu: “Recebi três doses da vacina. Tive sintomas mais leves. Você tem 17 vezes mais risco de ser hospitalizado se não for vacinado, e 20 vezes mais risco de morrer”, com base em dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. “Essas são estatísticas significativas e sérias”, continuou. “O impacto para as pessoas não vacinadas é muito mais terrível do que para as vacinadas.”
O repórter, então, insistiu. “O presidente vai atualizar sua linguagem em algum momento para refletir o fato de que pessoas com três doses da vacina estão pegando e espalhando Covid?” Em resposta, Psaki reforçou o argumento de que há uma diferença significativa entre estar vacinado e manifestar sintomas leves e não estar vacinado e ser hospitalizado ou morrer em decorrência da doença.
Na semana passada, Biden já havia se irritado com uma profissional da Fox News, Jacqui Heinrich, que perguntou por que o presidente estava “esperando que Putin desse o primeiro passo”, ao falar sobre a tensão entre a Rússia e a Ucrânia. “Que pergunta idiota”, o presidente cochichou.
J.Br