A percepção da corrupção ficou estagnada no mundo entre 2012 e 2021, aponta relatório divulgado pela Transparência Internacional nesta terça-feira (25). No período, de 179 países e territórios em que é possível fazer a comparação, 131 ficaram sem avanços significativos nos últimos dez anos.
A média global ficou novamente com pontuação 43, em um índice que vai de 0 a 100 -sendo 0 mais corrupto e 100 mais íntegro. Os dez primeiros países do ranking se mantiveram no topo, apenas trocando de posição entre si; os dez últimos tiveram a entrada de Afeganistão e Turcomenistão no lugar de Haiti e Sudão, que, de todo modo, seguem próximos do final do ranking.
O Índice de Percepção da Corrupção analisou 180 países e territórios no ano passado, com base em 13 fontes independentes de dados; cada local foi avaliado por ao menos 3 delas. Elaborado desde 1995, o levantamento passou por alterações metodológicas em 2012, o que permite fazer a série histórica em que se observa a estagnação na média global em torno dos 43 pontos.
A pesquisa destaca que a persistência desse patamar em 2021 se dá ao mesmo tempo que direitos humanos e democracia se encontram sob ataque no mundo. O ano passado viu o ataque ao Capitólio nos EUA, a saída atabalhoada dos americanos no Afeganistão e a retomada do poder pelo fundamentalista Talibã, fechamento de veículos de mídia em Hong Kong e na Nicarágua e cinco golpes de Estado.
Houve também a divulgação do uso do programa Pegasus para espionar celulares de jornalistas e opositores por governos de ao menos dez países e a revelação dos Pandora Papers, investigação sobre contas e empresas offshore ligadas a 35 líderes e ex-líderes mundiais.
A Transparência Internacional destaca que, nesse contexto, a estagnação não se dá por acaso. “A corrupção possibilita violações de direitos humanos, dando abertura a uma espiral perversa e desenfreada”, diz o relatório. “À medida que direitos humanos e liberdades vão se erodindo, a democracia entra em declínio, dando lugar ao autoritarismo, que, por sua vez, possibilita níveis maiores de corrupção.”
O Brasil também registrou seu índice no mesmo patamar do ano passado, em 38 pontos, mas caiu duas posições no ranking, para a 96ª colocação. O desempenho fica abaixo das médias global e de América Latina e Caribe (41), países do G20 (54) e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; 66).
Nos últimos dez anos, o índice do Brasil variou de 43 para 38, baixou ao patamar de 35 em 2018 e 2019, mas voltou à marca atual -atrás de países como Emirados Árabes Unidos, Cuba, China, África do Sul, Tunísia, Burkina Fasso, Belarus e Etiópia.
Em comunicado, a Transparência Internacional alerta que “ações recentes do governo federal, do Congresso Nacional e do Judiciário levaram a retrocessos no arcabouço legal e institucional anticorrupção que tornam a situação ainda mais preocupante”.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) se elegeu com um discurso anticorrupção e já disse que a prática acabou no país sob seu governo -ignorando acusações envolvendo auxiliares e familiares. A entidade destaca casos de corrupção documentados na CPI da Covid e o mecanismo pouco transparente das chamadas emendas de relator no Congresso.
“O Brasil está passando por uma rápida deterioração do ambiente democrático e desmanche sem precedentes de sua capacidade de enfrentamento da corrupção”, ressalta Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil.
Os sinais de piora não diferem do contexto regional. Nas Américas, onde o índice está estagnado pelo sexto ano consecutivo, até os maiores pontuadores são vistos com preocupação.
É o caso de EUA (que manteve 67 pontos) e Canadá, país que mais oscilou negativamente entre 2017 e 2021, oito pontos. No ano passado, a Transparência Internacional já apontava “grandes desafios” por lá, citando suborno e sigilo financeiro.
“As disposições contra lavagem de dinheiro não abrangem todas as profissões e profissionais”, ressaltou. “O país não possui registro central de informações de beneficiários efetivos de empresas.” Em relação ao combate ao suborno, o relatório aponta que o país abriu apenas duas investigações conhecidas entre 2016 e 2019.
A situação de estagnação é similar na Europa Ocidental e na União Europeia, com sinais preocupantes de retrocesso até entre os mais bem ranqueados. Já no Leste Europeu, a pesquisa destaca que governos populistas “vêm reprimindo severamente as liberdades de expressão e de reunião necessárias para enfrentar a corrupção”. Esta região é contabilizada junto com a Ásia Central, onde governos têm usado a pandemia como justificativa para restringir direitos e não dar transparência à prestação de contas.
Entre os exemplos europeus de sinal de alerta estão Hungria -onde o governo de Viktor Orbán já tirou do ar uma emissora de rádio independente, por exemplo- e a Belarus, onde a ditadura de Aleksandr Lukachenko mantém a repressão a opositores.
O estudo destaca que a onda atual de autoritarismo “não é impulsionada por golpes ou violência, e sim por esforços graduais para sabotar a democracia”. Diz o relatório: “Esse movimento normalmente começa com ataques aos direitos civis e políticos, esforços para diminuir a autonomia de órgãos eleitorais e de fiscalização e com o controle de mídia”.
Como exemplos positivos, Armênia (+14) e Uzbequistão (+6) estão entre os que mais tiveram oscilações positivas em cinco anos. Com manifestações em 2018, os armênios conseguiram promover um governo reformista, mas que teve a agenda travada no último ano, à sombra do conflito com o Azerbaijão, e pode entrar em nova crise agora, com a renúncia do presidente. Já o Uzbequistão, apesar do avanço, ainda é uma autocracia.
A única região que oscilou no índice no ano passado foi a África Subsaariana, cuja média passou de 32 para 33 -ainda assim, 44 dos 49 países ainda pontuam abaixo de 50, e 4 deles foram palco de golpes de Estado (Chade, Mali, Guiné e Sudão).
O estudo faz recomendações para os países avançarem no combate à corrupção, como garantir os direitos necessários para se fazer cobranças, revertendo restrições desproporcionais sobre liberdades de expressão, associação e reunião, e restaurar e fortalecer instituições fiscalizadoras do poder. Também indica o combate à corrupção transnacional, sanando pontos fracos sistêmicos que a permitam e a garantia do direito à informação sobre gastos do governo.
J.Br