As chuvas que vêm atingindo Minas Gerais nas últimas semanas e já causaram a morte de pelo menos 24 pessoas estão afetando a região onde estão localizadas as três barragens com maior risco de desabamento do Brasil e reabrem a “ferida” deixada pelo desmoronamento de barragens em Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019.
As barragens são: Forquilha III, Sul Superior e B3/B4, todas operadas pela Vale e próximas a cidades que, juntas, têm população estimada em 255 mil pessoas.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), estas são as únicas barragens do Brasil em situação de emergência nível 3, quando o rompimento é iminente ou está em curso. Desde o início da nova temporada de chuvas, nenhum incidente nelas foi registrado.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que as chuvas aumentam os riscos de problemas em barragens como as de rejeitos de mineração. Segundo eles, o risco em Minas Gerais é ainda maior por conta da alta concentração dessas estruturas e da proximidade delas com centros urbanos.
Procurada, a Vale disse que construiu contenções próximas às estruturas para impedir o avanço de sedimentos em caso de rompimento.
Em meio ao aumento das chuvas, familiares de vítimas do desmoronamento da barragem de Brumadinho relatam apreensão e temor de que cenas como as de 2019 possam se repetir.
“Tem helicópteros passando por cima das nossas cabeças e tudo isso nos faz lembrar aquele cenário de guerra de quando a barragem se rompeu e matou minha irmã. Outros familiares de vítimas comentam o quanto isso reabriu as nossas feridas”, disse Josiane Melo, que perdeu a irmã na tragédia de Brumadinho.
O estado de Minas Gerais tem sido atingido por chuvas intensas desde o início do ano. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente em Belo Horizonte a precipitação acumulou 241,7 mm em 72 horas –entre os dias 8 e 10, bem acima da média histórica para o mês, que é de 329 mm.
De acordo com a Defesa Civil estadual, 341 municípios estão em situação de emergência em decorrência dos temporais. Além dos mortos, as chuvas deixaram 3,9 mil pessoas desabrigadas e outras 24,6 mil desalojadas.
O número de mortos não inclui as 10 vítimas da queda de um bloco de pedra sobre uma lancha em Capitólio, no sábado (8), porque o caso ainda está sob investigação.
Empresas como a Vale, CSN, Usiminas, Samarco e Vallourec tiveram que interromper algumas de suas operações.
A Vale paralisou as atividades em duas áreas de produção. Segundo a empresa, a medida foi tomada para garantir a segurança de seus funcionários. Ela também paralisou a circulação de trens da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).
A Mineração Usiminas interrompeu suas atividades na região de Itatiaiuçu (MG).
A companhia informou ainda que acionou o nível 1 do Plano de Ação de Emergência de Barragens da Mineração (PAEBM) para sua Barragem Central, desativada desde 2014. Esse nível prevê um estado inicial de alerta, mas não significaria que a estrutura está comprometida.
No sábado, o dique de uma barragem da Vallourec transbordou e inundou um trecho da BR-040, que liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro. O trecho chegou a ser interditado, mas já foi liberado.
O incidente fez com que a ANM aumentasse o grau de emergência da barragem para o nível 3, mas a medida foi revertida no dia seguinte e ela se encontra, agora, no nível 2. É em meio a esse cenário que o temor se volta para as barragens consideradas mais suscetíveis a rompimento.
Perigo
As três barragens em maior situação de risco do Brasil estão localizadas em municípios que, por conta das chuvas, estão em situação de emergência, de acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais: Ouro Preto, Nova Lima e Barão de Cocais.
Segundo a ANM, no entanto, as barragens não estão em situação de emergência por conta das chuvas deste ano. Elas estão nesse nível de alerta desde março de 2019, após o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Segundo a agência, o nível 3 de emergência é concedido quando técnicos constatam que a estrutura de uma barragem está em situação de rompimento iminente (pode acontecer a qualquer momento) ou quando ela já está se rompendo.
Em março de 2019, quando a Vale elevou o nível de emergência de Forquilha III e B3/B4, a empresa disse que a medida foi tomada de forma “preventiva” por terem fatores de segurança abaixo do que determinavam as normas do governo federal.
As três estruturas são barragens a montante, do mesmo tipo da que colapsou em Brumadinho.
Segundo a ANM, elas têm um dano potencial alto, o que significa que o seu rompimento poderia causar prejuízos significativos para as comunidades localizadas ao seu redor.
Elas estão no plano de descaracterização da companhia, termo usado pela indústria para indicar a desativação de uma barragem, obras para deixá-la totalmente estável e a sua reincorporação ao meio ambiente.
Em nota enviada pela Vale, a empresa diz que construiu estruturas para proteger as comunidades próximas às barragens.
“Todos os barramentos da empresa nessa situação já têm suas respectivas contenções finalizadas, sendo capazes de reter os rejeitos em caso de necessidade. É o caso da barragem Sul Superior, na mina Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG); da B3/B4, na mina Mar Azul, em Nova Lima (MG); e da barragem Forquilha III, na mina Fábrica, em Itabirito (MG)”, diz um trecho da nota enviada pela companhia.
Intensificar monitoramento
O professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Viçosa Eduardo Antônio Gomes Marques diz que a intensidade das chuvas registradas nos últimos dias aumenta os riscos de incidentes em barragens.
“As chuvas aumentam, sim, a possibilidade de incidentes. Isso acontece especialmente em Minas Gerais porque temos uma quantidade muito grande de barragens próximas a cidades”, explica.
Marques afirma que o risco de rompimento, no entanto, atinge tanto as barragens que estão em nível três de emergência quanto aquelas que estão em níveis inferiores.
Ele afirma que é importante intensificar o monitoramento das estruturas afetadas pela chuva. Segundo ele, uma das maiores preocupações hoje é o comportamento das paredes naturais de barragens.
Por conta da chuva, ele afirma, o solo está muito saturado e isso poderia levar a uma queda de barrancos dentro dos reservatórios, o que aumentaria a pressão sobre as barragens levando ao transbordamento ou, em casos extremos, à sua ruptura.
“A gente vê que as barragens estão sendo monitoradas, mas uma possibilidade é que a chuva faça os taludes caírem, o que pressionaria as barragens. Isso é perigoso porque as estruturas estão muito perto de cidades e o tempo para evacuação é curto”, diz.
Sobre as três que estão em nível máximo de emergência, Marques confirma que as obras de contenção já foram feitas e que, caso elas tenham sido dimensionadas e executadas da forma correta, um possível rompimento teria impactos reduzidos sobre a população local.
“As obras de contenção foram finalizadas e um rompimento não traria tantos riscos como antes. Mas essa estimativa considera que todas as obras foram feitas e dimensionadas da forma correta. Se isso não aconteceu, é difícil saber os impactos”, afirmou.
O professor de segurança em barragens da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez diz que é preciso manter o monitoramento das barragens em nível 3 de emergência e intensificar a atenção sobre outras estruturas que, por conta da chuva, podem representar riscos.
Ele aponta ainda um novo elemento que, segundo ele, deveria ser considerado no cálculo de segurança para barragens: a ocorrência de fenômenos climáticos extremos. Segundo ele, as mudanças climáticas estão alterando o ciclo de chuvas e isso pode trazer impactos sobre as barragens.
“Essas estruturas são feitas considerando um regime pluviométrico que não previa esses eventos extremos tão recorrentes. O que estamos vendo é uma série de chuvas muito intensas num curto espaço de tempo e em regiões muito pontuais. Isso pode trazer impactos que precisam ser dimensionados”, afirmou.
Em nota, a ANM informou que intensificou as vistorias a barragens em Minas Gerais em janeiro em decorrência das chuvas. Segundo o órgão, já teriam sido feitas mais de 20 vistorias no estado neste mês.
“As equipes da ANM estão em campo, intensificando a vistoria das estruturas, de forma a orientar as empresas a mitigar eventuais anomalias que estejam acontecendo ou venham a acontecer”, diz um trecho da nota. A reportagem procurou o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil de Minas Gerais, mas eles não responderam.
Ferida aberta
O aumento das chuvas em Minas Gerais nos últimos dias trouxe de volta péssimas memórias para Josiane Melo, moradora de Brumadinho. Há três anos, ela perdeu sua irmã quando a barragem da Vale na mina do Córrego do Feijão se rompeu. A engenheira civil Eliane Melo trabalhava para uma empresa terceirizada na área atingida pelo rompimento.
“A chuva deixou muita gente ilhada, lama entrando na casa das pessoas. Tem helicópteros passando por cima das nossas cabeças e tudo isso nos faz lembrar aquele cenário de guerra de quando a barragem se rompeu e matou minha irmã. Outros familiares de vítimas comentam o quanto isso reabriu as nossas feridas”, afirmou.
Josiane diz que as notícias sobre a possibilidade de rompimento de outras estruturas estão deixando a população em estado de alerta. Isso acontece porque, assim como em 2019, as empresas responsáveis pelas barragens têm afirmado que as estruturas estão seguras.
“É a mesma coisa que aconteceu em 2019. Todo mundo dizia que as barragens de Mariana e Brumadinho eram seguras até que elas se romperam. As pessoas estão preocupadas. Está todo mundo se perguntando: será que vai acontecer de novo?”, disse.
A reportagem procurou o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil de Minas Gerais, mas não obteve retorno.
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